10/06/2023

Cioccolato

— Este relato começa quase no final da volta que Roberto Gama costuma dar pelo hipermercado local, ao fim da tarde, arrastando o cesto de plástico com rodas que vai fazendo o troc-troc típico no piso de mosaicos. A certo momento, conferiu o que já levava: uma piza pré-cozinhada em forno de lenha, um frasco de azeitonas, leite, tostas, nêsperas... Para esse dia, chegava, mas, antes de se dirigir às caixas de pagamento, era altura de passar pelos corredores onde gostava de se apropriar de algum bem facilmente escamoteável: uma embalagem de fatias de presunto; uma caixa de preservativos; uma escova...

10/05/2023

Um crime suburbano

  Não é um feito de que me orgulhe, mas tenho de confessar: eu apanho coisas no lixo. De vez em quando, percebo que uma peça interessante está poisada junto a algum dos grupos de caixotes que estão distribuídos um pouco por todo o bairro. Já trouxe para casa uma pequena mesa de apoio de sofá, uma prateleira para frascos de especiarias, uma moldura de madeira trabalhada e pintada de castanho, mas, geralmente só apanho livros. Apesar de poucas pessoas os comprarem, vão aparecendo livros, geralmente escolares, junto aos caixotes. Esta história começa há uns quatro meses, em uma das minhas...

10/04/2023

Uma pedra no sapato de ténis

  Casimiro Lopes começou a suspeitar de que qualquer coisa não estava bem quando, pela terceira vez, o seu parceiro habitual de ténis, Francisco Torrinha, deu uma desculpa para não fazerem a partida habitual. Não jogavam com muita regularidade — talvez de três em três semanas, muito longe das duas vezes semanais de uns anos atrás, quando ambos ainda estavam ao serviço da empresa —, mas era o suficiente para manterem a ilusão e a imagem de jogadores de ténis. Nem sequer eram grandes praticantes, apesar de jogarem juntos havia uns vinte anos. O ténis, agora, não passava de um pretexto para mexerem...

10/03/2023

A realidade

  A minha mãe é alegria. E sabor. Ela junta açúcar num pratinho com requeijão ainda quente que o meu pai acabou de trazer. Delícia! Colhemos figos amarelos a escorrer um pingo de doçura dourada. Regalo! Vamos à fonte buscar água. Fresca! Eu corro à frente. A correr, ninguém ganha à Flecha, a cadela. Corro com ela, feliz. Correr é bom! E andar descalço pelos campos. E nas areias frescas da ribeira. Pela sombra dos amieiros. E estar deitado no meio da erva. Ouvindo os muitos pequenos sons do campo. E sentindo os muitos aromas das plantas. O cheiro a fumo da erva cortada de fresco… Fumo?...