Com
uma porção de pasta de moldar encho as mãos. Amasso-a entre dedos
e palma, longamente. Aquece, amolece, como massa de pão. A tepidez
potencia a impressão de textura de pele. Sinto que não há nada
mais sensual.
A
pasta revela-se infinitamente moldável, maleável, modelável.
Obedece docilmente aos movimentos não pensados das minhas mãos.
Sem
que as procure, surgem-me formas anatómicas. Como não, se vivemos
rodeados delas, nos seres, nas pessoas? Crio espessuras,
rotundidades; ensaio estiramentos.
Surgem
cabeça, tronco, ancas, primeiro como meros esboços de volumes,
depois em refinamentos de formas femininas. Crescem membros
delicados. A textura do material, acetinada, torna-se cúmplice.
Irrompem seios, face, cabeleira, dedos.
Completa,
perfeita, a figura feminina reclina-se na minha mão, mansamente. A
ilusão de vida é total. Uma emoção perturbadora apodera-se de
mim.
Alucinado, invoco os olímpicos, mas esses deuses que se apiedaram de Pigmalião, quando o escultor se apaixonou pela sua obra, mantêm-se incomunicáveis.
Um
suplício é acrescentado à lista mitológica e uma sombra de
tristeza primordial instala-se, profunda, nos meus olhos.
Joaquim
Bispo
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Uma
versão deste miniconto integra a antologia do I Concurso de
Minicontos Autores S/A — Autores S/A e Editora Penalux, Brasil,
2013.
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Imagem:
Jean-Léon Gérôme, Pigmalião e Galateia, 1890.
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