Compreendo
quem se lamenta da sua triste sina e não para de tecer teorias da
conspiração sobre a própria sogra, embora eu não tenha razões de
queixa. Mal vejo a minha.
É
claro que antes sofri muito. Nos primeiros meses de casado, perdi dez
quilos. Dormia mal, tinha pesadelos em que era atacado por matronas
rotundas armadas de panelões de feijoada, que tocavam à porta às
seis da manhã e me lambuzavam a cara de batom encarnado. Fiz
terapia, voltei a frequentar a igreja, mas só o estudo me salvou —
um mestrado em Estudos Militares.
Uma
das disciplinas parecia delineada especialmente para o meu caso:
“Como evitar dar o flanco e recuperar a iniciativa”. Textos
obrigatórios: os de Maquiavel e A Arte da Guerra de Sun Tzu.
Percebi rapidamente que qualquer dos autores transmite ensinamentos
muito úteis para a sobrevivência de um genro, bastando substituir,
em qualquer dos aforismos, a palavra “inimigo” por “sogra”.
Vejamos alguns exemplos de A Arte da Guerra:
“O
guerreiro superior ataca enquanto o inimigo está projetando os seus
planos.” Isto é, quando perceberes que a tua sogra está a pensar
ir lá a casa mostrar os álbuns de fotografias das férias, deves
ligar-lhe anunciando quão pesaroso ficas por não poderes recebê-la,
porque vais em serviço para a Austrália.
“Sê
completamente misterioso e confidencial, até ao ponto de seres
silencioso.” Isto é, não dês qualquer pista à tua sogra sobre
os teus passos, os teus trabalhos, os teus horários. Responde com
evasivas, de modo que nada lhe permita saber onde estás, seguir-te,
espiar-te. Se fores encurralado, finge que perdeste a voz ou
transmite informações falsas, e assim “o adversário não pode
combater contigo porque lhe dás uma falsa pista.”
Suspeito
que A Arte da Guerra tenha sido escrito como estudo prévio
para um projeto mais grandioso sob o tema: “Táticas para
sobreviver à própria sogra”. Infelizmente, essa obra não chegou
até nós, talvez por algum equívoco estratégico. As sogras não
brincam. No entanto, um outro preceito revelou-se inestimável:
“Faz
algo por ele, para lhe captares a atenção, de maneira que possas
atraí-lo, descobrir os seus hábitos de comportamento, de ataque e
de defesa.” Isto é, se quiseres viver em paz, procura conhecer a
tua sogra, como costuma atacar, o que pode desencorajar esses
ataques; mantém-na constantemente sob vigilância e faz com que ela
confie em ti.
Um
dos grandes problemas das sogras é sentirem-se isoladas e inúteis.
Arranja-lhe atividades que a entretenham: apresenta-a a um grupo de
canasta; inscreve-a em grupos excursionistas; matricula-a em aulas de
danças de salão; convence-a a ser escritora e a enviar textos para
concursos literários. Se, mesmo assim, lhe sobrar tempo para
azucrinar a tua vida, interessa-a em projetos relevantes de grande
fôlego, daqueles que ocupam uma vida inteira: acabar com a fome no
mundo, descobrir a cura da estupidez; encontrar um sistema político
sem governantes corruptos. É praticamente impossível? Eu sei — é
essa a ideia.
Felizmente,
após muitas diligências pouco frutuosas, encontrei a solução, o
que me trouxe, outra vez, calma e esperança no futuro: inscrevi-a em
vários sites de corações solitários, com o nome “Gostosa
carente”. Quando eu já desesperava e acreditava que o coração
dela estava irremediavelmente empedernido, apaixonou-se por um idoso
folgazão, e já não quer saber da filha nem do genro para nada.
Anda alegre como um passarinho.
Agora,
fiquem bem, que tenho uma genuína gostosa à minha espera, para uma
batalha sem quartel, sem medo de sermos interrompidos por invasões
de panelões de feijoada.
Joaquim
Bispo
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Esta
crónica foi uma das 50 selecionadas para compor o e-book
“Crónicas humorísticas” do coletivo Covil da Discórdia:
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Esta
crónica foi também
selecionada para a 20ª
edição (março/abril de 2020) da Revista LiteraLivre, em formato
e-book,
que
integra
— páginas
109
a 110.
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Imagem:
James Whistler, Retrato da mãe do artista [Whistler's Mother],
1871.
Museu
de Orsay, Paris.
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