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10/12/2023

Obra de misericórdia

  Para Duarte, domingo era dia de passeio cultural, fosse qual fosse a disposição de ânimo. Desde que se separara da mulher, podia arrastar-se toda a semana pela casa, de pijama e sem banho, mas, aos domingos, impunha-se arranjar-se e sair. Naquele domingo de início de maio, resolveu ir até Belém e seguir o impulso do momento. Começou por entrar no Centro Cultural de Belém. Percorria a exposição temporária “1968: O Fogo das Ideias”, quando foi interpelado por uma morena muito jovem — de talvez uns trinta e poucos anos — que não reconheceu de imediato: — Duarte! Há quanto tempo! O que tens...

10/08/2021

As mulheres da Ourela

  As mulheres da Ourela são o amparo da casa. Robustas e determinadas, ganharam admiração e proteção das deusas primordiais. A sua aldeia fica encravada entre montes atulhados de pinheiros nas faldas da serra da Gardunha, onde só é possível cultivar estreitas leiras junto ao pontos mais profundos dos vales. Por isso, sempre tiveram de obter complemento económico fora da pequena agricultura de subsistência. Às vezes, em atividades inesperadas e até longe da sua terra. São vistas desde sempre a carregar pesos à cabeça. Em grupo, em rancho. Decididas, caminhando e equilibrando os carregos, balançando...

10/03/2020

O cavalo que queria ser famoso

Era uma vez um cavalo que vivia em Pádua. Servia como montada de um capitão do exército, e o que se vai contar passou-se há muitos anos, quando as guerras eram feitas com cavalos e espadas. Certo dia, quando o cavalo estava no tronco para ser ferrado, entrou um ladrão no recinto. O meliante, que vinha armado, levantou um ferro para bater na cabeça do ferrador. O cavalo assustou-se, e, como ainda não estava com as patas presas, pregou um valente coice no assaltante, que foi abater-se contra um muro. O ferrador ficou muito agradecido e disse ao cavalo: — Vou cravar-te, no casco da pata...

10/07/2018

A Estátua sem Rosto

O que se conseguia ler no folheto pisado e rasgado que parou aos meus pés era apenas «(…) mingo, 5 (…) inaugur (…) praça D. Moniz (…) stát (…) rei (…)», mas foi o suficiente para eu perceber do que se tratava, dada a proximidade de eleições e algum conhecimento do que acontece em tais épocas: as autarquias desdobram-se em melhoramentos, apressam obras que estiveram paradas durante anos e anunciam inaugurações. Ribeira de Velas, onde vivo, não é exceção. A minha rua estava virada do avesso havia dois meses. Máquinas e brigadas de operários criavam espaços de estacionamento, repavimentavam...

10/04/2018

O suplício de Pigmalião

Com um pedaço de barro se fez o Homem — diz o texto antigo. Com uma porção de pasta de moldar encho as mãos. Amasso-a entre dedos e palma, longamente. Aquece, amolece, como massa de pão. A tepidez potencia a impressão de textura de pele. Sinto que não há nada mais sensual. A pasta revela-se infinitamente moldável, maleável, modelável. Obedece docilmente aos movimentos não pensados das minhas mãos. Sem que as procure, surgem-me formas anatómicas. Como não, se vivemos rodeados delas, nos seres, nas pessoas? Crio espessuras, rotundidades; ensaio estiramentos. Surgem cabeça, tronco,...