A
primeira refeição do dia é a mais importante.
(Dos
sites nutricionistas)
Acabei
de chegar de umas férias em Budapeste. Cidade bonita — belos
panoramas, excelentes museus —, mas do que não me esqueço é dos
pequenos-almoços. Só de antever a primeira refeição do dia
passava a noite em sonhos salivados. No hotel em que estive, serviam
fiambres, presuntos, chouriços, queijos variados, tudo em cascatas
de fatias finíssimas. E doces, frutas, bacon, ovos mexidos,
pratos quentes.
Acho
que havia hóspedes que só tinham ido a Budapeste pelos
pequenos-almoços. Enchiam a chávena de café com leite, e o prato
com queijo e carnes frias, iam para a mesa esvaziá-los, voltavam a
recarregá-los, uma e outra vez. Abarrotavam tigelas com flocos de
milho, de amêndoa, com fibras, com mel, chocolate e fruta. Juntavam
leite, iogurte, café, sumos de frutas. Equilibravam pirâmides de
fatias de Emmental,
chaminés de Chèvre,
com a ajuda de morros de Roquefort,
acompanhados por arquipélagos de ovos quentes, salsichas fritas e
barris de sumo de laranja para empurrar.
Filas
de empregados afadigavam-se a repor as provisões nas mesas do
bufete. Dezenas de pares de olhos espiavam a sua chegada à porta da
copa. Hordas de pretensos esfomeados escudados em pratos vazios preparavam-lhes emboscadas no primeiro ângulo de mesa. Homens da Michelin em banha lançavam-se sobre os
acepipes, como gaivotas sobre sobras de peixe, engolindo fatias de
salmão fumado enquanto bicavam os adversários mais próximos. Por
vezes disputavam a mesma tira de bacon frito ou, em gesto
rápido, surripiavam a tosta mista que o vizinho se atrasara a
retirar da bateria de tosteiras. Rebatiam com saladas de tomate, de
couve roxa, de beterraba. Ou com travessas de ananás, pêssego,
melão e maçã.
Ai
do que não fosse ligeiro e audaz. Quando chegasse à mesa das carnes
frias, já só encontrava um ou outro grão de pimenta; quando
chegasse à mesa dos queijos já só sentia o cheiro. O seu empenho
incidia então no desenvolvimento de táticas mais eficazes de
captura de víveres no fornecimento seguinte.
Por
fim, mitigavam a fraqueza com uns doces: potes de compotas, salvas de
bolo-mármore, taças de tiramisu, tigelas de mousse de
chocolate, travessas de leite-creme.
Quando
pareciam saciados, começava a fase de aprovisionamento, porque o dia
de visitas turísticas na capital e arredores se adivinhava longo e
desgastante. Fileiras de sanduíches recheadas de salpicão, queijo
flamengo, pasta de atum, ovo mexido e picles — para
desenjoar — alinhavam-se obedientes em camadas sobrepostas no fundo
das malas de mão e das mochilas. Alguns convivas preparavam tantas
que se esperava encontrá-los a vendê-las nos pontos turísticos
mais frequentados, para pagar a viagem. As que sobrassem ainda deviam
dar para acabar com a fome em algum país do corno de África.
Budapeste
é bonita, mas o melhor são os pequenos-almoços. Inolvidáveis. Ainda esta noite voltei
a sonhar que me deliciava com almôndegas
à húngara que apanhava às mancheias. Acordei mesmo
a tempo de evitar aquela parte desagradável dos garfos espetados nas costas da
mão…
Joaquim
Bispo
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Imagem:
Josefa de Óbidos,
Cesto com bolos e toalha,
1660.
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