Era
uma vez um coelhinho cinzento que vivia num campo de beringelas.
Durante o dia, corria e saltava feliz, comia e dormia à sombra das
plantas; à noite, tremia de frio, e de medo de ser apanhado e comido
por algum monstro. Dormia ao relento, porque jamais entrara numa
toca, com medo que ela lhe caísse em cima e o esmagasse. Até a
vista de um buraco numa árvore o assustava, por não saber o que
tinha lá dentro.
Certa
vez, passou por aquele lugar uma menina de vestido branco e longos
caracóis castanhos, que andava a passear, porque se aborrecia de
estar em casa, e encontrou o coelhinho, com cara infeliz, aninhado
entre dois troncos.
— Por
que estás triste, coelhinho cinzento? — perguntou ela.
— Gostava
de ter uma toca para me recolher, como os outros coelhinhos, mas
tenho medo que a toca me caia em cima e me esmague — respondeu o
coelhinho, timidamente.
— Por
que é que havia de te cair em cima, coelhinho? Sê corajoso! —
animou-o a menina. — Não sabes preparar uma toca?
— Não
— lamentou-se o coelhinho cinzento — nunca ninguém me ensinou.
— Oh!
— condoeu-se a menina, fazendo-lhe uma festinha na cabeça — eu
ensino-te.
E
assim, durante a tarde inteira, a menina do vestido branco, com muita
paciência e ternura, ensinou o coelhinho cinzento a preparar uma
toca, para que ela não lhe caísse em cima. Ensinou-o a encontrar o
melhor local meio escondido entre as ervas, a remexer e amaciar a
terra, a abrir a toca com as patinhas, a alisar a entrada com
pequenas marradinhas. Quando a toca já estava de bom tamanho e com
aspeto confortável, disse a menina:
— Agora,
coragem coelhinho! Esta toca está muito bem preparada e de certeza
que não vai cair-te em cima. Entra sem medo, coelhinho!
E
dava-lhe palmadinhas de encorajamento. O coelhinho cinzento, vendo
como a toca parecia segura e acolhedora, e cheio de confiança pelo
incentivo da menina, esticou o peito, em atitude resoluta, e entrou.
Na
verdade, a toca era o local mais confortável e seguro onde alguma
vez já tinha estado. Apetecia-lhe ficar lá dentro para sempre. Nem
acreditava como tinha passado tantas noites a tiritar de frio e de
medo. Quando saiu para agradecer à menina, esta pegou nele ao colo,
e despediu-se com um abraço apertado. O coelhinho, comovido, não
pôde evitar uma lágrima de ternura e gratidão. Desde então, todas
as noites se recolhe à toca, confiante e feliz, sem nunca deixar de
lançar um pensamento para a menina de vestido branco e longos
caracóis castanhos.
Joaquim
Bispo
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Imagem:
Balthus,
Teresa
a Sonhar, 1938.
Metropolitan
Museum of Art, New York.
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(Este
conto foi publicado no número 20 da revista literária virtual
Samizdat, de setembro de 2009.)
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