(Continuação:) (...)tava no lugar do condutor.
Na segunda-feira, estava um
carro estacionado mesmo em cima da passadeira de peões que dá
acesso à minha casa. Incomodado, afixei-lhe, a meio do para-brisas,
um pequeno autocolante amarelo, que trago sempre comigo, que dizia:
Estacione bem — Respeite os outros.
Na terça-feira, deparei com o
mesmo carro estacionado na passadeira. Indignado, apliquei-lhe, desta
vez, um outro pequeno autocolante vermelho, que dizia: Mal
estacionado — Sujeito a reboque.
Na quarta-feira, o carro
estava outra vez na passadeira. Irritado por a minha ação
pedagógica não resultar, levantei-lhe os limpa para-brisas.
Na quinta-feira, lá estava o
carro na passadeira. Exasperado com tanta falta de respeito pelos
outros, coloquei-lhe um palito na válvula do pneu dianteiro direito.
O ar ficou a vazar.
Na sexta-feira, o carro
estava, uma vez mais, na passadeira. Furibundo, puxei da chave de
casa e apliquei um risco profundo a todo o comprimento do carro.
No sábado, o carro já não
estava na passadeira, finalmente. «Há pessoas que só entendem a
linguagem da violência» — pensei.
No domingo, verifiquei, com
horror, que o para-brisas do meu carro, bem estacionado, estava
estilhaçado. Uma perna de um tanque de lavar roupa, em cimento,
esprei(...)
(Continua na primeira linha.)
Joaquim Bispo
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Imagem: M. C. Escher, Espirais,
1953.
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(Este miniconto bebeu
inspiração na estrutura rítmica de um pretenso “poema do budismo
tibetano” e persegue uma estrutura circular. Foi publicado no
número 14 da revista literária virtual Samizdat, de março de
2009.)
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