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10/08/2024

O riso escarninho

  Na altura, a incriminação não era opção. O meu desejo mais profundo era mesmo matar Estêvão Arunhos, um antigo mestre de obras e meu vizinho do rés-do-chão. A antipatia vinha de há muito, logo desde os primeiros encontros, quando me mudara para aquele condomínio. O seu ar boçal e desdenhoso manifestava-se em comentários mordazes ao meu modo de vestir, nos olhares irónicos, nos risos alarves, quando me via acompanhado. Não havia razões de reparo, a não ser a sua mentalidade retrógrada e fascista. Durante mais de dois anos, revesti-me de compreensão e paciência, acreditando que o tempo...

10/03/2024

A última morada

  Respeita a minha última morada. Pelo teu exemplo, talvez respeitem a tua. Eburo estava indignado. A anta da sua família, com mais de 6000 anos, fora arrasada para plantar um amendoal. Ninguém o avisara que os mortos não se indignam. Nem têm nenhuma das outras inumeráveis emoções dos vivos. Mas, não era o único morto que não tinha consciência da impossibilidade da sua vitalidade psíquica. Comentou o desacato com familiares e amigos, mas não obteve mais do que encolheres de ombros. Parecia que todos já estavam habituados à falta de respeito pela integridade dos seus restos...

10/05/2023

Um crime suburbano

  Não é um feito de que me orgulhe, mas tenho de confessar: eu apanho coisas no lixo. De vez em quando, percebo que uma peça interessante está poisada junto a algum dos grupos de caixotes que estão distribuídos um pouco por todo o bairro. Já trouxe para casa uma pequena mesa de apoio de sofá, uma prateleira para frascos de especiarias, uma moldura de madeira trabalhada e pintada de castanho, mas, geralmente só apanho livros. Apesar de poucas pessoas os comprarem, vão aparecendo livros, geralmente escolares, junto aos caixotes. Esta história começa há uns quatro meses, em uma das minhas...

10/09/2021

Os ardis de Amaltescher

  Amaltescher é uma colónia penal alucinante — sei que dificilmente me vão entender. Na altura, eu pertencia à célula de Lisbuhan dos Albertianos — um movimento que tinha como referência os ensinamentos teóricos de Leon Battista Alberti e propugnava uma imaginária com a excelência representacional dos chamados pintores do século XV da era antiga. Éramos quase todos ex-estudantes de arquitetura que, por uma razão ou outra, nos tínhamos tornado representadores. «Com efeito, foi do pintor que o arquiteto tomou as arquitraves, os capitéis, as colunas e tudo o que faz o mérito dos edifícios»...