10/06/2018

Santos Populares

— Foi aqui que nasceu o António, em 1195, onde está agora esta igreja com o nome dele. — O homem de cabelo crespo e barba alargava o gesto enquanto caminhava. — Uma fidalga deu-o à luz a 15 de Agosto. — Então, por que é que lhe fazem a festa a 13 de Junho? Amanhã. — estranhava o companheiro, um homem de cabelo ralo e barba curta esbranquiçada. — É o dia da sua morte aos 36 anos em Pádua. Aproveitou-se para dar cunho religioso a umas festas das colheitas que havia na altura. Mas esta noite é que são as grandes festas populares. — Bonita igreja! — O povo de Lisboa fez-lhe aqui uma...

10/05/2018

Anti-Íon ou a Crítica do Dom

Timandro: Íon! Clistes! Bons olhos vos vejam! Donde vindes, assim, laureados? Íon: Viva! Estivemos nas festas do Epidauro, onde pusemos à prova os nossos dons. Clistes: Viva! Timandro: Ah, sim; ouvi dizer que o concurso de rapsodos é muito apreciado e concorrido. Também há concurso de aedos? Clistes: Sim; e dos mais importantes. Eu concorro sempre. Timandro: E, pelo que vejo, saístes-vos bem! Íon: Eu venci o concurso de rapsodos. Clistes: E eu só perdi para o aedo de Egina. Em onze concorrentes. Timandro: Fico muito feliz, por vós. Dizei-me: o que vos fez enveredar por essas...

10/04/2018

O suplício de Pigmalião

Com um pedaço de barro se fez o Homem — diz o texto antigo. Com uma porção de pasta de moldar encho as mãos. Amasso-a entre dedos e palma, longamente. Aquece, amolece, como massa de pão. A tepidez potencia a impressão de textura de pele. Sinto que não há nada mais sensual. A pasta revela-se infinitamente moldável, maleável, modelável. Obedece docilmente aos movimentos não pensados das minhas mãos. Sem que as procure, surgem-me formas anatómicas. Como não, se vivemos rodeados delas, nos seres, nas pessoas? Crio espessuras, rotundidades; ensaio estiramentos. Surgem cabeça, tronco,...

10/03/2018

O Comerciante de Arte

 — Então, não quiseram visitar a catedral de Santa Sofia? A minha interpelação direta não era impertinente, porque eu e a minha mulher já tínhamos mantido algumas conversas com este casal, noutras ocasiões da viagem. Na Tunísia, deslumbrados na contemplação de mosaicos romanos, num dos inúmeros locais onde se mantêm bem conservados, lembro-me de o marido comentar: «Estas obras de arte não têm preço! Como eu gostava de viajar no tempo e ver estes banhos a funcionar com as pessoas da época!», o que foi pretexto para falarmos um pouco do tema, reconhecidos, que foram, alguns gostos...

10/02/2018

Carta de Paris

Meu querido Amadeo,  Sei que estás em Manhufe, a fugir da guerra. Escrevo-te esta carta depois de me terem falado do quadro que pintaste e não intitulaste, mas a que todos chamam “Coty”. Acertaram. Conheço-te bem; sei que mascaraste a minha identidade com a marca desse perfume que sempre uso. Podes achar que ninguém vai reparar, mas há pessoas que me conhecem e vão perceber tudo e as intimidades que tínhamos. Não devias ter feito isso. As pessoas vão ver os insetos pousados nas pétalas rosadas e vão perceber, vão ver os ganchos de cabelo e vão perceber. Escusavas de ter posto...

10/01/2018

Os números de Lucas

Ao José Espírito Santo, que me deu a conhecer “Os números de Lucas” Quando Édouard Lucas, no século XIX, elaborou a sequência numérica que é conhecida como “Os números de Lucas”, poderia ter imaginado também o seguinte episódio, porque não lhe eram estranhos Fibonacci nem os outros protagonistas que, ao longo dos séculos, estudaram as relações numéricas e o inexplicável eflúvio de beleza que algumas emanam, sobretudo a chamada “Divina proporção” ou “Número de ouro”. * Florença, ano de 1492. Enquanto Fra Domenico não chegava, Tommaso da Fiesole, acompanhado do seu aprendiz, Filippo, aproveitava...

10/12/2017

Com a Melhor das Intenções

— Eh, pá, não tenho dúvidas; é um desses mails moralistas a puxar ao sentimento, mas mesmo tocante — dizia Barbosa ao seu colega de secção, no regresso do almoço, pelos corredores da Judiciária. — A história é, mais ou menos, assim: na Alemanha do século XV, havia uma família numerosa e pobre, cujo pai tinha de trabalhar dezoito horas diárias nas minas de carvão para alimentar tanta gente. Dois dos filhos queriam ser artistas, mas como? Combinaram que um trabalharia nas minas, para pagar os estudos de pintura do outro, e depois trocariam. Assim fizeram. No regresso da academia, o primeiro,...