10/09/2020

O burro e a vaca

 



Era uma manhã cheia de sol. Uma vaca pastava muito tranquila no prado. Embora ninguém a visse sorrir, estava feliz por saborear as tenras folhas do trevo e as flores e as vagens do tremoço. De repente, a serena manhã da vaca foi agitada por um coelho que passou junto dela, tão veloz como todos os coelhos que fogem aflitos dos cães dos caçadores, e lhe gritou:

Sai da frente, vaca!

A felicidade dela desapareceu nesse momento. Estava farta de lhe chamarem vaca. É certo que tinha algum peso a mais, mas estarem sempre a lembrar-lho... Até um insignificante coelho? Estava farta!

Nessa tarde já pouco comeu. Nos dias seguintes, só comeu os talos mais rijos das ervas que lhe pareciam menos nutritivas. Para tentar emagrecer. Durante muitos dias passou fome, mas obrigou-se a comer só o que não a faria engordar.

Na verdade, passadas umas semanas, a vaquinha tão rechonchuda de antes não parecia uma vaca; mais parecia um esqueleto em pé, só pele e cornos.

Um dia passou por ali um burro que ficou muito admirado de ver uma vaca tão mirrada. Perguntou-lhe:

Estás doente, vaca?

A vaca começou a choramingar:

Estou tão infeliz por passar tanta fome e tu ainda me chamas vaca? Eu já não sou vaca; estou até muito elegante!

O que dizes tu? — admirou-se o burro. — Tu és uma vaca; sempre serás uma vaca, mesmo que não sejas gorda.

Então, não é a mesma coisa? — respondeu a vaca, muito convencida. — O mal-educado de um coelho chamou-me vaca… Tu não achas que ele me chamou… gorda?

Claro que não! Ele chamou-te… o teu nome, o nome que os homens te deram — explicou o burro, instrutivo. — Comigo aconteceu uma história parecida: vivia muito infeliz, porque me chamavam burro, e julgava que me chamavam estúpido. Só mais tarde percebi que burro é o meu nome, o nome que os homens me deram. A partir daí, nunca mais me importei. Pois, se é o meu nome!

Ah, então é isso? Faz sentido! — convenceu-se a vaca. — Obrigada, burro! Explicaste-te muito bem. Acho que não és nada “burro”.

E tu não és nada “vaca”. Estás até muito magra e isso não é nada saudável. Vê se comes melhor, para voltares a ser uma vaca bonita.

Quando o burro se afastou, a vaca mastigava um grande ramo de trevos suculentos, mas ainda conseguiu fazer um “muuuu!” de agradecimento e despedida.


Joaquim Bispo


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Esta crónica foi selecionada para a 21ª edição (maio/junho de 2020) da Revista LiteraLivre, em formato e-book, que integra, a páginas 114 e 115:

https://issuu.com/revistaliteralivre/docs/revista_literalivre_21__edi__o


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Imagem: Domenico Ghirlandaio, Adoração dos Pastores, 1485.

Capela Sassetti, Igreja da Santa Trindade, Florença.

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