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10/04/2018

O suplício de Pigmalião



Com um pedaço de barro se fez o Homem — diz o texto antigo.
Com uma porção de pasta de moldar encho as mãos. Amasso-a entre dedos e palma, longamente. Aquece, amolece, como massa de pão. A tepidez potencia a impressão de textura de pele. Sinto que não há nada mais sensual.
A pasta revela-se infinitamente moldável, maleável, modelável. Obedece docilmente aos movimentos não pensados das minhas mãos.
Sem que as procure, surgem-me formas anatómicas. Como não, se vivemos rodeados delas, nos seres, nas pessoas? Crio espessuras, rotundidades; ensaio estiramentos.
Surgem cabeça, tronco, ancas, primeiro como meros esboços de volumes, depois em refinamentos de formas femininas. Crescem membros delicados. A textura do material, acetinada, torna-se cúmplice. Irrompem seios, face, cabeleira, dedos.
Completa, perfeita, a figura feminina reclina-se na minha mão, mansamente. A ilusão de vida é total. Uma emoção perturbadora apodera-se de mim.
Alucinado, invoco os olímpicos, mas esses deuses que se apiedaram de Pigmalião, quando o escultor se apaixonou pela sua obra, mantêm-se incomunicáveis.

Um suplício é acrescentado à lista mitológica e uma sombra de tristeza primordial instala-se, profunda, nos meus olhos.

Joaquim Bispo

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Uma versão deste miniconto integra a antologia do I Concurso de Minicontos Autores S/A — Autores S/A e Editora Penalux, Brasil, 2013.
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Imagem: Jean-Léon Gérôme, Pigmalião e Galateia, 1890.
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