Com
uma porção de pasta de moldar encho as mãos. Amasso-a entre dedos
e palma, longamente. Aquece, amolece, como massa de pão. A tepidez
potencia a impressão de textura de pele. Sinto que não há nada
mais sensual.
A
pasta revela-se infinitamente moldável, maleável, modelável.
Obedece docilmente aos movimentos não pensados das minhas mãos.
Sem
que as procure, surgem-me formas anatómicas. Como não, se vivemos
rodeados delas, nos seres, nas pessoas? Crio espessuras,
rotundidades; ensaio estiramentos.
Surgem
cabeça, tronco, ancas, primeiro como meros esboços de volumes,
depois em refinamentos de formas femininas. Crescem membros
delicados. A textura do material, acetinada, torna-se cúmplice.
Irrompem seios, face, cabeleira, dedos.
Completa,
perfeita, a figura feminina reclina-se na minha mão, mansamente. A
ilusão de vida é total. Uma emoção perturbadora apodera-se de
mim.
Alucinado, invoco os olímpicos, mas esses deuses que se apiedaram de Pigmalião, quando o escultor se apaixonou pela sua obra, mantêm-se incomunicáveis.
Um
suplício é acrescentado à lista mitológica e uma sombra de
tristeza primordial instala-se, profunda, nos meus olhos.
Joaquim
Bispo
*
Uma
versão deste miniconto integra a antologia do I Concurso de
Minicontos Autores S/A — Autores S/A e Editora Penalux, Brasil,
2013.
*
Imagem:
Jean-Léon Gérôme, Pigmalião e Galateia, 1890.
*
* *
Alguma vez estiveram comunicáveis?
ResponderEliminarGostei. Cumprimentos.
Pois… claro!
ResponderEliminarObrigado, Carlos Vale!
Uma doçura, este pigmalião. beijo Etelvira
ResponderEliminarBem penssado, melhor escrito...
ResponderEliminarAbraço
Obrigado, Etelvira!
ResponderEliminarAlgum deste sentimento me aconteceu há 30 anos, aquando da feitura de uma pequena estatueta em pasta de moldar.
Beijo!
Obrigado, Baptista!
ResponderEliminarAbraço!
Boa!É mesmo isso que se sente quando criamos algo.Obrigada.
ResponderEliminarÉ perturbador.
ResponderEliminar