10/09/2016

A faixa branca


Ah, a Irlanda! — a ilha que exibe o permanente verde dos seus campos numa faixa da bandeira. Há quem diga que a faixa alaranjada no outro extremo é a cor do uísque. Ah, os pubs, a festa, a herança celta. E a faixa branca, a meio, faz-nos lembrar o quê? A pureza perdida das crianças?
Um relatório divulgado há poucos anos revela que, entre 1930 e 1990, milhares de crianças carenciadas, que tinham sido acolhidas por instituições religiosas irlandesas, foram objeto de violência e abusos sexuais por parte de centenas dos seus cuidadores. O facto choca, sobretudo, porque os acontecimentos tiveram lugar em abrigos infantis, reformatórios e orfanatos geridos pela Igreja Católica, largamente maioritária no país.
Pensamos sempre que os homens e as mulheres da Igreja estão, tendencialmente, acima dos “pecados” da carne, só porque o potentado religioso que os enquadra a isso aspira, ou pelo menos apregoa. Grave erro: as pessoas que o integram são da mesma carne e pulsam com o mesmo desatino hormonal que as que festejam o corpo e a vida fora dos espaços religiosos. Refugiaram-se nas instituições católicas pelas mais variadas razões, quase nunca para renunciarem ao apelo das sensações lúbricas. Nem tal lhes é exigido. Mesmo aos padres, a Igreja proíbe o casamento, não pela subjacente implicação de mais difícil acesso ao sexo, mas — dizem algumas teorias mais pragmáticas —, por um mais prosaico programa de evitar o forçoso sorvedouro de bens, necessários para alimentar e vestir cônjuge e filhos.
Não é a Igreja que faz os pedófilos; também nas instituições governamentais sucede o abuso. O ambiente coletivo nos locais de acolhimento, onde os mais velhos dispõem de ascendente sobre aqueles que estão à sua guarda, proporciona a oportunidade adequada às práticas do pedófilo. A proximidade, o espírito de ajuda, de proteção, cria, por vezes, aquela intimidade perturbadora a que o pedófilo não resiste. A evolução é progressiva. Um dia, ajuda a criança a vestir-se, sente-lhe o morno da pele, a suavidade do cabelo; outro dia, observa-lhe a cor límpida dos olhos, a forma germinante dum corpo a meio caminho da floração; recorda o seu próprio corpo e as emoções perturbadoras da puberdade, às vezes, como um adulto o iniciou nessas emoções. Aos poucos, sobrevém a oportunidade de masturbar a criança. Quer desvendar-lhe esse mundo maravilhoso, que o seu corpo encerra, onde reside um prazer insuspeito. Ele próprio segue o que entende como o desejo da criança, que chega a perceber como uma provocação ao gozo mútuo. Desencadeia e deixa-se enredar, consciente e maliciosamente, numa crónica teia de relacionamento furtivo, sabendo que é um comportamento censurável, a esconder, um segredo para dois. Sente na criança uma aceitação e uma ausência de reprovação que, apenas em algumas raras vezes, julgou encontrar na aproximação a outros adultos, mas que sempre redundou em rejeição e dor.
A criança gosta de quem mostra querer-lhe bem, de quem a defende nas inúmeras situações de controlo e poder que surgem numa instituição com muitas crianças desenraizadas. Às vezes, encontra nesse adulto o amigo que a ouve e lhe afasta as inquietações. Fica perturbada com as sensações que o adulto ensinou o seu corpo a proporcionar-lhe, aceita corresponder às carícias como retribuição pedida e “justamente” merecida. Não domina o jogo das relações sociais; mesmo quando se sente desconfortável, evita denunciar quem sempre parece querer-lhe bem. Afinal, os outros adultos estão emocionalmente muito mais afastados. Tem dificuldade em dizer “não”, sente que talvez seja culpada de ter ido tão longe. Envergonha-se; sabe como tais situações, quando reveladas, são motivo de escárnio. Isola-se e tenta sobreviver até que um dia possa sair da instituição.
Vamos a contas: no referido período, passaram pelas 250 instituições em causa entre 30.000 e 40.000 crianças. No inquérito realizado nos primeiros anos deste século, duas mil, algumas com mais de cinquenta anos, declararam ter sofrido abusos de vários tipos.
Ah, o horror! Inaceitável!”, dirão alguns, alarmados com os números. “Danos colaterais. Inevitáveis.”, dirão outros, argumentando que se fossem só estas duas mil, estaríamos a falar do valor “confortável” de apenas 2 ou 3 crianças abusadas, por instituição, por ano.
Há, realmente, tanta coisa inaceitável que temos de engolir, infelizmente, desde a miséria nos bairros periféricos das grandes cidades, à exploração e à guerra no terceiro mundo promovidas pelas grandes potências, que produzem milhões de refugiados, sem esquecer essa ignomínia de todos os tempos — o tráfico de pessoas. Em todas essas situações, há inocentes apanhados nas redes da animalidade humana e traídos pelo bocejo da indiferença social e internacional. É tão difícil alertar as pessoas, embrenhadas nos seus pequenos problemas. E, mesmo quando alguém para para pensar, o máximo que sente é uma sensação angustiante de impotência. E vai desforrar-se no frigorífico…
Para quem foi abusado, a relação com a situação de que foi vítima é diferente. Não consegue simplesmente declarar para si próprio: “é passado”. É um subjacente desconforto psicológico permanente. Pela humilhação, pela coação a que não conseguiu escapar. Muitas vezes, reconhece que lhe estruturou a personalidade, alterando profundamente a relação com os outros, provocando-lhe sentimentos de desconfiança e medo, baixa autoestima, menor resistência aos posteriores solavancos da vida.
O caso relatado foi tratado com algum empenho: os inquéritos permitiram identificar 12.500 vítimas e indemnizá-las, reconhecendo a gravidade do trauma. E houve afastamentos de responsáveis e pedidos de desculpas.
Não se sabe o que desencadeia as tendências pedófilas. Nem sempre os abusadores foram abusados; nem sempre os abusados se transformam em abusadores. Há pedófilos violentos, mas, muitas vezes, são apenas o que a palavra indica: gostam mesmo de crianças. À sua distorcida maneira. Não aceitam que o que fazem é prejudicial à criança, que representa um abuso, uma humilhação que a vai acompanhar pela vida inteira. Se tiverem oportunidade — e é impressionante como são atraídos por relações, atividades e profissões que os aproximem das crianças — vão repetir comportamentos pedófilos.
Pelas crianças, que serão adultos magoados, a sociedade tem o dever de tentar reduzir as oportunidades de acesso dos pedófilos às crianças, selecionando criteriosamente quem lida com elas e mantendo uma observação ativa sobre o funcionamento dessas instituições. Para que as irlandas deste mundo sejam apontadas apenas pelos bons motivos: as belas paisagens e o bom uísque.

Joaquim Bispo

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Imagem: Georges Rouault, Tete o palhaço, Paris, 1930.

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(Esta crónica foi publicada no número 20 da revista literária virtual Samizdat, de setembro de 2009.)

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10/08/2016

O coelhinho medroso


Era uma vez um coelhinho cinzento que vivia num campo de beringelas. Durante o dia, corria e saltava feliz, comia e dormia à sombra das plantas; à noite, tremia de frio, e de medo de ser apanhado e comido por algum monstro. Dormia ao relento, porque jamais entrara numa toca, com medo que ela lhe caísse em cima e o esmagasse. Até a vista de um buraco numa árvore o assustava, por não saber o que tinha lá dentro.
Certa vez, passou por aquele lugar uma menina de vestido branco e longos caracóis castanhos, que andava a passear, porque se aborrecia de estar em casa, e encontrou o coelhinho, com cara infeliz, aninhado entre dois troncos.
Por que estás triste, coelhinho cinzento? — perguntou ela.
Gostava de ter uma toca para me recolher, como os outros coelhinhos, mas tenho medo que a toca me caia em cima e me esmague — respondeu o coelhinho, timidamente.
Por que é que havia de te cair em cima, coelhinho? Sê corajoso! — animou-o a menina. — Não sabes preparar uma toca?
Não — lamentou-se o coelhinho cinzento — nunca ninguém me ensinou.
Oh! — condoeu-se a menina, fazendo-lhe uma festinha na cabeça — eu ensino-te.
E assim, durante a tarde inteira, a menina do vestido branco, com muita paciência e ternura, ensinou o coelhinho cinzento a preparar uma toca, para que ela não lhe caísse em cima. Ensinou-o a encontrar o melhor local meio escondido entre as ervas, a remexer e amaciar a terra, a abrir a toca com as patinhas, a alisar a entrada com pequenas marradinhas. Quando a toca já estava de bom tamanho e com aspeto confortável, disse a menina:
Agora, coragem coelhinho! Esta toca está muito bem preparada e de certeza que não vai cair-te em cima. Entra sem medo, coelhinho!
E dava-lhe palmadinhas de encorajamento. O coelhinho cinzento, vendo como a toca parecia segura e acolhedora, e cheio de confiança pelo incentivo da menina, esticou o peito, em atitude resoluta, e entrou.
Na verdade, a toca era o local mais confortável e seguro onde alguma vez já tinha estado. Apetecia-lhe ficar lá dentro para sempre. Nem acreditava como tinha passado tantas noites a tiritar de frio e de medo. Quando saiu para agradecer à menina, esta pegou nele ao colo, e despediu-se com um abraço apertado. O coelhinho, comovido, não pôde evitar uma lágrima de ternura e gratidão. Desde então, todas as noites se recolhe à toca, confiante e feliz, sem nunca deixar de lançar um pensamento para a menina de vestido branco e longos caracóis castanhos.

Joaquim Bispo

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Imagem:
Balthus, Teresa a Sonhar, 1938.
Metropolitan Museum of Art, New York.

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(Este conto foi publicado no número 20 da revista literária virtual Samizdat, de setembro de 2009.)

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10/07/2016

toda. A semana



(Continuação:) (...)tava no lugar do condutor.

Na segunda-feira, estava um carro estacionado mesmo em cima da passadeira de peões que dá acesso à minha casa. Incomodado, afixei-lhe, a meio do para-brisas, um pequeno autocolante amarelo, que trago sempre comigo, que dizia: Estacione bem — Respeite os outros.

Na terça-feira, deparei com o mesmo carro estacionado na passadeira. Indignado, apliquei-lhe, desta vez, um outro pequeno autocolante vermelho, que dizia: Mal estacionado — Sujeito a reboque.

Na quarta-feira, o carro estava outra vez na passadeira. Irritado por a minha ação pedagógica não resultar, levantei-lhe os limpa para-brisas.

Na quinta-feira, lá estava o carro na passadeira. Exasperado com tanta falta de respeito pelos outros, coloquei-lhe um palito na válvula do pneu dianteiro direito. O ar ficou a vazar.

Na sexta-feira, o carro estava, uma vez mais, na passadeira. Furibundo, puxei da chave de casa e apliquei um risco profundo a todo o comprimento do carro.

No sábado, o carro já não estava na passadeira, finalmente. «Há pessoas que só entendem a linguagem da violência» — pensei.

No domingo, verifiquei, com horror, que o para-brisas do meu carro, bem estacionado, estava estilhaçado. Uma perna de um tanque de lavar roupa, em cimento, esprei(...)

(Continua na primeira linha.)
Joaquim Bispo

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Imagem: M. C. Escher, Espirais, 1953.

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(Este miniconto bebeu inspiração na estrutura rítmica de um pretenso “poema do budismo tibetano” e persegue uma estrutura circular. Foi publicado no número 14 da revista literária virtual Samizdat, de março de 2009.)

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10/06/2016

O Messias do Ocidente


Assim que chegou a Tomar, João de Castilho procurou mestre Álvaro Rodrigues para conhecer o estado das obras que fora incumbido de finalizar, ainda antes de conhecer os alojamentos que lhe tinham sido atribuídos. Encarregou um dos homens da sua companha de tratar dessa parte logística. A viagem a cavalo fora cansativa, mas, assim que avistou o volume do castelo, foi tomado de grande curiosidade, dado o que sabia e o que ouvira dizer sobre o complexo religioso que crescia naquela envolvência militar. Foi encontrar mestre Álvaro a supervisionar os trabalhos no estaleiro da pedra, envolvido no ruído cadenciado dos martelos sobre os escopros. Este guiou-o pelos meandros da obra arquitetónica em execução:
Era aqui que mestre Diogo de Arruda se preparava para edificar o portal sul da igreja, mas, como sabeis, ele foi chamado, há uns meses, para uma campanha de obras em Safim e outras praças em Marrocos, e vós fareis como entenderdes, ou as ordens que tiverdes — explicava mestre Álvaro, avançando depois até aos andaimes instalados na charola. — Esta parte está quase acabada; só falta alguma estatuária, que está a ser talhada pelo vosso compatriota mestre Fernão Muñoz, e aplicar as imponentes tábuas já pintadas pela companha de mestre Jorge Afonso — continuava o guia, apontando os inúmeros nichos vazios e os trechos de parede entre as janelas góticas.
João de Castilho passava os olhos pelas alturas vertiginosas da capela-mor, tentanto imaginar o que mestre Álvaro lhe dizia, mas o seu assombro vinha-lhe de, enfim, conhecer no local a inusitada planta do antigo oratório.
Que extraordinário desenho, ao mesmo tempo austero e de subtil apelo à elevação espiritual! Um autêntico “eixo do mundo”.
Sim, esta parte foi construída pelos primitivos cavaleiros Templários, há mais de três séculos, inspirando-se no presumível templo de Salomão, que alguns viram em Jerusalém. Então, o templo era só este espaço poligonal de dezasseis lados, sustentado por estas oito colunas centrais. Entretanto, o espólio dos Templários passou para a ordem de Cristo, de que é Mestre o próprio senhor rei D. Manuel. Mestre Diogo foi incumbido de o rasgar a Ocidente para acrescentar uma nave, como vedes, e esta parte é agora “apenas” a abside.
A seguir, visitaram a nova sacristia de planta quadrada dupla, que João de Castilho devia abobadar. Mestre Álvaro deixou a maior surpresa para o fim. Quando, no exterior, se postaram frente à janela da sacristia, no local onde viria a ser implantado o claustro de santa Bárbara, o novo arquiteto parou um momento, depois sentou-se numa das pedras da obra e quedou-se a contemplar e a tentar compreender os inúmeros ornamentos que a envolviam num emaranhado pétreo.
Que dizeis? — saboreava o cicerone.
Mestre João nada dizia.
Esta é a parte em que mestre Diogo mais se transcendeu — continuou Álvaro Rodrigues. — Todos estes motivos marítimos e vegetalistas são de tais criatividade e beleza que, acredito, farão que se fale por muitos anos do seu arquiteto e do rei que os encomendou.
Entendo todas estas cruzes de Cristo — disse finalmente o novo arquiteto — afinal este é um convento da Ordem, mas porquê todas aquelas esferas armilares?
Esqueço-me que estais em Portugal há pouco tempo — refletiu o inquirido, que tinha ficado a tomar conta das obras até à chegada do novo dirigente. — A esfera enfaixada pelos círculos principais é um símbolo geográfico da bola do mundo e um dos emblemas do rei. Esse e o escudo real são reproduzidos exaustivamente em todas as obras de arte, quer de cantaria, pintura, iluminura ou mesmo estatuária. Os Portugueses andam pelas sete partidas do mundo, de tal jeito e proveito que D. Manuel se intitula “Pela graça de Deus, Rei de Portugal e dos Algarves, d'aquém e d'além-mar em África, senhor da Guiné e da conquista da navegação e comércio da Etiópia, Arábia, Pérsia e Índia”. As esferas estão lá para lembrar, em imagem, esse estatuto de rei do mundo.
Bem, Espanha começa a avançar por toda a América… — racionalizava João de Castilho.
E Portugal, pelo Brasil, essa fatia tão grande que ainda não se lhe viu o fim. Há vinte anos, em Tordesilhas, D. João II soube negociar. Mas, a riqueza está a Oriente. Quase que chega aqui o cheiro da pimenta. O nosso rei D. Manuel está exultante. E rico. Por isso lança tantas obras. Chamam-lhe “o venturoso”, porque tudo lhe corre bem. Há duas décadas, não suspeitava que pudesse vir a ser rei — era o nono na linha de sucessão. Caprichosamente, morreram sete desses candidatos. D. Manuel é aclamado rei, sem esperar. No início do seu reinado, é descoberta a passagem a sul para a Índia. E o Brasil. Sente-se predestinado. Vê no próprio nome — Emanuel, que em hebraico significa Deus connosco — uma indicação profética. A esfera já fazia parte da bandeira da família. Sphera Mundi tem sido transcrito em muitos documentos como Spera Mundi, isto é, a Esperança do Mundo. Quem sabe se não será ele o Messias que, unindo-se ao rei cristão da Etiópia — o Preste João — inverterá o avanço muçulmano no mundo, reconquistando Jerusalém e derrotando os Mamelucos do Egito!
Dizeis que há um esforço intencional de realçar alguns símbolos de modo a servirem um determinado interesse real?
O que tem sido ventura para D. Manuel também tem aspetos problemáticos. O certo é que a nobreza habituou-se a vê-lo como “apenas” o Duque de Beja, e não como El-rei. D. Manuel precisa de algumas ajudas de legitimação, por isso alguma desta retórica imagética, que vale mais que muitas proclamações. Toda a obra de aparato é um manifesto da grandiosidade do soberano e do estado. Se, além disso, o rei for mostrado em figura, ou em símbolo, em circunstâncias nobilitantes, maior grandeza adquire aos olhos dos súbditos e dos outros soberanos. Ele ainda alimenta a esperança de vir a ser, também, rei das Espanhas. E, ouvi dizer que se prepara uma embaixada ao Papa que leva um elefante indiano, dois leopardos e outros animais exóticos.
Noto que toda a ornamentação vegetalista como que nasce de robustas raízes que saem das costas de um homem ali na base do janelão. É Jessé? — perguntou incrédulo João de Castilho, que conhecia as iconografias comuns usadas por pintores e escultores, mas não esperava encontrar o pai mítico do rei David naquele contexto.
Sim; mestre Diogo disse-me que o velho representa Jessé. Segundo S. Mateus, como bem sabeis, essa genealogia desemboca em Cristo, após vinte e oito gerações. Aqui, vê-se que do seu dorso nascem vergônteas, que após várias circunvoluções desabrocham em esferas armilares, escudos reais e cruzes de Cristo. Não se pode ser mais incisivo na afirmação de predestinação, ainda por cima apoiada na Bíblia.
Realmente!
D. Manuel tem também realçado e feito representar o milagre de Ourique em que o nosso rei fundador teve uma visão da cruz de Cristo, onde se lia Com este signo vencerás — o mesmo que viu Constantino, o imperador romano que oficializou o cristianismo. Liga-se, assim, o rei fundador da nação portuguesa, com o imperador “fundador” do cristianismo, na pessoa de Emanuel das profecias, que é a cabeça da ordem de Cristo, Cristo que virá a ser o senhor do mundo. Ele pretende ser visto como a junção do poder temporal e do poder espiritual, uma sobreposição de César e Salomão. E Esperança do Mundo. Vários pintores o têm inserido em cenas religiosas, como a Adoração dos Magos, sendo El-rei representado como um dos reis magos vindos do Oriente. E, na verdade, ele é um importante rei, cujo poder assenta, antes de mais, no Oriente.
João de Castilho e Álvaro Rodrigues, arquiteto e mestre, continuaram a conversar sobre a singular figura do rei a quem serviam, e sobre as extraordinárias referências cruzadas que o identificavam. Não era difícil imaginá-lo com uma aura de Messias. A confirmação local de todas as informações que trazia era muito inspiradora para o novo arquiteto, gerando ideias de exaltação arquitetónica, a aplicar no portal sul que se pretendia majestoso. Se D. Manuel queria ser o bastião da cristandade e o seu modelo, o seu engenho estaria ao serviço dessa aspiração, fazendo deste convento um digno templo de Salomão no Ocidente!

Joaquim Bispo

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Imagem: Diogo de Arruda, Janela manuelina do Convento de Cristo, Tomar, c. 15121513.

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(Este conto foi publicado no número 22 da revista literária virtual Samizdat, de novembro de 2009.)

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10/05/2016

O milagre do sol



Nos nossos tempos, muito afastados dos bíblicos, não acontecem milagres. Como se as entidades sobrenaturais estivessem ausentes ou imóveis e silenciosas. Quase todos os milagres ocorreram há muito tempo e os raros que nos chegam referem circunstâncias pouco verificáveis e testemunhos pouco representativos. Nas nossas sociedades racionalistas, chegamos a sentir a nostalgia de viver situações como a de Abraão ver entrar três anjos tenda adentro, ou ver Cristo dar de comer a cinco mil pessoas com cinco pães e dois peixes, ou assistir à revelação do anjo Gabriel a Maomé. A mais recente e importante manifestação do sobrenatural que conheço é a aparição da Virgem aos pastorinhos em Fátima. Em que só Lúcia, uma menina de 10 anos, garantiu que A viu. Aconteceu, no entanto, um fenómeno extraordinário relatado pelos jornais e visto por muitas das cinquenta mil pessoas presentes, o que deu dimensão às aparições, em si: o milagre do sol, na sequência da aparição de 13 de outubro de 1917, há quase cem anos. Como eu gostaria de lá ter estado!

Segundo uma testemunha que na altura tinha nove anos, «eu olhava fixamente o astro; pareceu-me pálido e privado da sua deslumbrante claridade; dir-se-ia um globo de neve girando sobre si mesmo. Depois, subitamente, pareceu descer em ziguezague, ameaçando cair sobre a Terra. (…) Durante os longos minutos do fenómeno solar, os objetos colocados perto de nós refletiam todas as cores do arco-íris… os nossos rostos ficavam ora vermelhos, ora azuis, ora amarelos. (…) Ao fim de dez minutos, o Sol retomou o seu lugar, da mesma maneira que dali tinha descido, sempre pálido e sem luminosidade.»

Outra testemunha disse: «O Sol começou a bailar e a dada altura pareceu deslocar-se do firmamento e em rodas de fogo, precipitar-se sobre nós.»

Outra, ainda: «coisa mais espantosa era poder olhar para o disco solar por muito tempo, brilhando com luz e calor, sem ferir os olhos ou prejudicar a retina. [Durante este tempo], o disco do sol não se manteve imóvel, teve um movimento vertiginoso, não como a cintilação de uma estrela em todo o seu brilho, pois girou sobre si mesmo num rodopio louco.
Durante este fenómeno solar, que acabo de descrever, houve também mudanças de cor na atmosfera. Olhando para o sol, notei que tudo se escurecia. Olhei primeiro para os objetos mais perto e depois estendi a minha vista ao longo do campo até ao horizonte. Vi que tudo tinha assumido cor de ametista. Os objetos à minha volta, o céu e a atmosfera, eram da mesma cor. Tudo perto e longe tinha mudado, tomando a cor de velho damasco amarelo. As pessoas pareciam que sofriam de icterícia e lembro-me de uma sensação de divertimento ao vê-los tão feios e repulsivos. A minha mão estava da mesma cor.
Então, de repente, ouviu-se um clamor, um grito de agonia vindo de toda a gente. O sol, girando loucamente, parecia de repente soltar-se do firmamento e, vermelho como o sangue, avançar ameaçadoramente sobre a terra como se fosse para nos esmagar com o seu peso enorme e abrasador. A sensação durante esses momentos foi verdadeiramente terrível.»

Para a maior parte dos crentes católicos, é incontestável que o fenómeno observado se deveu à Virgem, por vir na sequência das aparições anteriores, em que, aliás, terá sido sugerido algo desta magnitude. Para muitos descrentes, é certo que um fenómeno com estas características, a ter acontecido, deve ter sido causado por sugestão coletiva ou outro equívoco natural. Para a maior parte das pessoas tocadas pela escolarização, é evidente que o Sol não rodou nem se soltou do firmamento. A escola ensina que, se a estrela Sol se tivesse movido abruptamente, teria desencadeado uma catástrofe cósmica e destruído a Terra — devido à estrutura de inter-relação dos vários corpos do sistema solar —, mas não há notícia de que tenha havido sequer um grande terramoto naquela data. Os crentes não querem saber de racionalidades e leis da Física e dizem: “para Deus não há impossíveis”. Alguns cientistas não concebem seres que não possam ser verificados e dizem: “o nosso Universo não veio equipado de sobrenatural”.

Conversando sobre este assunto com uma tia devota, ela disse-me que há pessoas que afirmam presenciar um milagre do sol semelhante, durante a procissão de Santo António, a 13 de Junho, em Lisboa. Fiquei alvoroçado com a possibilidade de assistir a um fenómeno tão prodigioso e, na data indicada (por volta de 1999), lá estava eu integrado na procissão, atento, quer à ambiência celestial, quer à humana.
Junho em Lisboa, às quatro ou cinco da tarde é quente. A procissão movia-se devagar em frente da Sé. Então, comecei a ouvir algumas pessoas — uma aqui, outra ali — a chamar a atenção para o sol, a apontar, a dizer que viam o sol a girar. Uns e outros olhavam, tentando ver o fenómeno. O entusiasmo não era grande. Olhei também, de relance. O sol era uma bola de fogo, como habitualmente, perigoso para os olhos, como sempre.
Então, julguei compreender tudo. Eu estava farto de assistir a “milagres do sol”, de cada vez que jogava ténis e, tendo de acompanhar alguma bola alta, dava com os olhos no sol: a minha retina ficava maculada, onde o sol a queimara e, durante um bocado, uma mancha, com a mesma forma e de uma cor arbitrária, sobrepunha-se a tudo o que eu olhava. Naquele momento percebi que, provavelmente, tudo aconteceu não com o Sol, mas com o sol, isto é, a luz solar e a perceção que os presentes tiveram dela.
Para mim, era claro que também aquela gente estava a queimar a retina irresponsavelmente, e foi isso que disse a algumas pessoas, levemente receoso de que me considerassem herege. Ninguém ficou escandalizado ou irritado, talvez só um pouco pesaroso de que o seu desejo não se concretizasse. Eu próprio fiquei um pouco desapontado, embora não esperasse outra coisa.

Ao fazer pesquisa na internet para este artigo, encontrei esta opinião: «O milagre do Sol é o brilho ou reflexão que produz se o olharmos diretamente. Em dias de chuva, enevoados ou quando o Sol enfraquece no horizonte, é possível fixá-lo durante poucos segundos. Imediatamente se dá o Milagre do Sol. Se o olharmos, o Sol parece brilhar com imensos raios, rodar sobre si e descer vertiginosamente. Eu próprio já fiz a experiência para me certificar do milagre. Mas corremos riscos. Ao olhar o Sol, mesmo quando o brilho é menos intenso, podemos sofrer queimaduras graves na retina, e por isso é necessário bastante cautela. Ainda hoje, em Lisboa, há o (mau) hábito de, depois da procissão de Santo António, a 13 de Junho, algumas pessoas olharem o céu para verem o santo descer.»

Opinião neste sentido tem também um físico citado pela Wikipédia: «imagens residuais na retina, produzidas após breves períodos de olhar fixo no Sol, são a causa provável dos efeitos observados». E adverte que «milagres do Sol têm sido testemunhados em muitos locais onde peregrinos, cheios de religiosidade, têm sido encorajados a olhar para o Sol».

Ainda assim, o “milagre do sol” de 1917 terá aspetos difíceis de enquadrar numa única explicação. Há até quem fale em OVNI — o sol descrito como um disco prateado, baço, a girar no céu. Eu, por mim, sou mais convencido por explicações físicas e fisiológicas do que por outro tipo de especulações, mas gosto de cultivar uma atitude de prudência, conforme aprendi do astrónomo francês do século XVIII, Laplace:

«Estamos tão longe de conhecer todas as forças da Natureza e suas múltiplas modalidades de ação, que seria pouco filosófico negar a existência de certos fenómenos apenas porque não podem ser explicados no estado atual dos nossos conhecimentos.»

Esta reflexão, que serve de crítica aos que negam os fenómenos inexplicados, também pode ser entendida como uma crítica aos que aderem a explicações sobrenaturais, ainda antes de tentarem as naturais. Ceticismo puro e “sobrenaturalismo” puro são aqui igualmente criticados. Ambos abraçam soluções apressadas, que tantas vezes nos apontaram pistas equivocadas para a compreensão do Universo. O meio-termo, a solução ponderada, por onde passará?

A atitude dos grandes nomes, os que fizeram recuar o desconhecido, não foi a de aderirem a soluções não racionais ou que só explicavam parte dos fenómenos. Perseguiram pacientemente indícios ténues, por vias inesperadas, que desembocaram algumas vezes em explicações e conhecimento. Que sejam inspiração para nós!

Joaquim Bispo
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Fontes:
Seomara da Veiga Ferreira, As Aparições em Portugal dos Séculos XIV a XX, Relógio d’Água, 1985.

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(Este artigo foi publicado no número 16 da revista literária virtual Samizdat, de maio de 2009.)

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10/04/2016

O Primeiro Passo


Não vês que estás a ir por maus caminhos, meu filho? — O anjo adotava uma postura paternal, a face preocupada, o gesto complacente.
Eu nem sei se quero ir por bons caminhos! — retorqui, desafiador.
Quando ele se materializara no meu quarto de solteiro, com ares de arcanjo Gabriel, passava das três da manhã. Estranhei, mais do que me assustei. Tinha estado na comissão de autogestão da fábrica a tratar de problemas deixados pelo patrão fugido e, proposta puxa discussão, tinha bebido umas três ou quatro cervejas. O verão de 75 ia quente em todos os sentidos, a Revolução avançava com autogestões nas fábricas e nos campos e auto-organização das populações em todos os domínios. Havia um sentimento no ar de que, finalmente, tudo era possível. E tanto que havia para fazer! O mais difícil era a mudança das mentalidades. Todos tínhamos sido condicionados para ser engrenagens de uma sociedade de obedientes, castos e tementes. De repente, tinham-se rompido as comportas que mantiveram a multidão calada e quieta, e esta inalava, impertinente, os primeiros aromas da liberdade.
Agora, até de replicar a um anjo eu me sentia capaz:
E, além do mais, o que é que tens com isso?
Não penses que podes viver como queres: lascivo, descrente e subversivo. Tudo está determinado e o teu lugar está muito bem definido.
Eu posso fazer o que quiser! Desde que não restrinja a liberdade de ninguém.
E não achas que roubar a fábrica de alguém é atentar contra a sua liberdade?
Não é roubar, é pôr ao serviço da comunidade — a começar pelos que lá gastaram o seu esforço, o seu tempo, as suas vidas —, o que alguém explorou e abandonou. Não é a sua fábrica, era a sua máquina privada de sacar mais-valias.
Não vês que tudo isto é apenas um remoinho passageiro!? Não vês qual é a ordem natural das coisas? Quando a poeira assentar, volta tudo ao que era. E então, tu estarás perdido.
Não me vão prender por tentar ajudar a pôr a fábrica a funcionar outra vez, está descansado!
Não é dessa perdição que eu estou a falar. — E continuou a pôr água na fervura revolucionária: — Quem me mandou não gosta de rebeldes. Gosta que a hierarquia esteja muito bem definida e que o de baixo não desobedeça ao de cima. Gosta que a moral e a religião sejam o guia das nações e que os seus dirigentes sejam austeros, mas bondosos, como os pais são para os filhos. Agora, tu és um filho pródigo que não respeita o seu pai.
Eu vejo é que o teu ar paternal, de há pouco, está a transformar-se na fúria contida de um mestre-escola autoritário. Por que é que quem te mandou não prefere a liberdade das pessoas e a livre adesão aos seus preceitos? Ou a livre rejeição!? Como é que se pode sentir satisfeito de mandar em autómatos, que se lhe sujeitam apenas pelo medo do castigo? Não repara como são alienadas as pessoas que se lhe submetem, que nem pensamentos de revolta podem ter?
Ele vê é que, com a ordem que instaurou, todos eram felizes. Já viste alguém feliz nesta revolução?
Sim, muitos, loucos de felicidade. Pela primeira vez são donos das suas vidas.
Loucos, dizes bem! A revolução pôs pais contra filhos, filhos contra pais, marido contra mulher, mulher contra marido. Os partidos, de que até o nome é revelador, destroem a harmonia da sociedade.
Os partidos são a expressão, crispada mas necessária, que faz circular na sociedade os vários conceitos da sua própria organização. Vocês não têm partidos? Os anjos dão-se bem com os querubins? E estes com os serafins? Ou também têm interesses de classe?
Lá, donde eu venho, a harmonia não tem ameaças. Todos conhecem e aceitam o seu nível celeste.
Não será bem assim! Tanto quanto eu sei, já houve revoltas. Não foi lá que Lúcifer bateu o pé ao teu patrão?
Sim, há esse episódio…
E essa tal harmonia de que falas não corre o risco de um dia ser alterada pela tomada do poder por Lúcifer?
O anjo, de que não cheguei a saber o nome, riu-se com gosto. Perdeu por momentos o ar, umas vezes pedagógico e protetor, outras tenso e vagamente ameaçador, e riu-se demorada e maliciosamente:
O Lúcifer foi um caso de sucesso. Foi das revoltas melhor recuperadas de que há memória. Achas que se ele fosse antissistema torturava os que lhe mandamos? Pelo contrário, procuraria tratá-los o melhor possível para ganhar aceitação popular. Não; o trabalho dele é um pouco desagradável, porque tem aquela falta cívica para pagar, mas está tão integrado e é tão necessário ao nosso sistema, como é o sistema prisional em qualquer sociedade humana. Aliás, quem me enviou está muito satisfeito com ele. O seu Inferno é a cúpula que completa o edifício teológico arquitetado.
Não era nada de que eu não tivesse já desconfiado, mas a confirmação, assim, de chofre, provocou-me uma náusea de repulsa por um desígnio tão totalitário.
Em vez de me convencer da perfeição do sistema e de me submeter aos argumentos do anjo, fui invadido por uma onda irreprimível de rejeição. Afinal, a oposição não era entre umas entidades sobrenaturais benfazejas, e outras maléficas, mas entre a liberdade de autodeterminação do Homem, e o obscurantismo das superstições e dos mitos, em conluio com as forças da exploração. Abri a janela e aspirei o ar fresco da noite.
Tretas! Andamos há milénios rodeados de tretas, que só servem para a classe exploradora nos manter mansos. Não acredito em nada disso. Nem em demónios, nem em anjos. Não quero. E, mesmo que acreditasse, seria contra! — A minha voz soou com uma tal limpidez, como se eu não tivesse dito nada antes.
Ou fosse porque os últimos vapores de álcool abandonaram os meus pulmões, ou porque os mitos só se instalam na cabeça de quem lhes dá guarida, o certo é que, quando me voltei, não vi anjo algum. Acho que nessa noite dei o meu passo revolucionário mais consequente.

Joaquim Bispo

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Imagem: “Kouros” de Kroisos, Anavyssos, c. 530 a.C., Museu arqueológico de Atenas.

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(Este conto foi publicado no número 18 da revista literária virtual Samizdat, de julho de 2009.)

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10/03/2016

Génesis e Apocalipse



Miguel Ângelo, Crepúsculo, Alvorada, Túmulo de Lourenço de Médici, Florença, 1524–1534.

Alvorada

O mundo era ermo e inóspito. Os pedregulhos erguiam-se crispados, sobranceiros à aridez de um mar de dunas. As areias estendiam-se, cálidas e mortíferas, até ao horizonte. O céu, ofuscante de branco, não concedia qualquer matiz, em toda a abóbada exposta. Só o Sol ardente, a pique, presidia sobre as coisas inanimadas.

Então, nos interstícios da rocha calcinada, numa brecha ínfima, por uma singularidade improvável, formou-se uma gotícula de orvalho, uma nesga de sombra. O espírito da árvore acordou, reconheceu a sua essência e formou um pensamento.
E um manto verde cobriu a Terra inteira.

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Crepúsculo

As informações que recolhi, Grande Kha, indicam que o clima sofreu variações promissoras nos últimos ciclos. As grandes quantidades de poeiras, fumos, e óxidos de carbono e de enxofre lançadas para a atmosfera, pela espécie animal dominante, criaram impercetivelmente uma capa que, deixando penetrar muita radiação, constituiu um obstáculo à sua libertação para o espaço. O aquecimento progressivo fez derreter as calotes polares, aumentou exponencialmente a evaporação dos oceanos, e favoreceu vagas de incêndios que devastaram as aglomerações vegetais das zonas equatoriais e adjacentes. Tanto vapor de água e cinzas na atmosfera acabou por impedir a luz solar visual de chegar ao solo, mas continuou a deixar penetrar a radiação infravermelha. Sem luz solar, sem fotossíntese, as espécies vegetais morreram e os que delas se alimentavam. O calor tornou a vida impossível à maior parte das espécies tradicionais, até às latitudes polares. Os organismos ficaram literalmente estufados. Neste mundo escuro e escaldante, medram fungos de todas as variedades, que dispõem de muita matéria orgânica em decomposição. Os indivíduos da espécie animal dominante — os 50 milhões que restam — retiraram-se para junto dos polos. Creio que estão criadas, enfim, as condições para a nossa instalação.

Joaquim Bispo

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(Estes minicontos foram publicados no número 15 da revista literária virtual Samizdat, de abril de 2009.)

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