10/09/2023

Os vertiginosos dias de uma escritora diletante

 

Quando a inspiração chegou, a escritora ainda dormia. Eram nove horas de sábado.

Keravnós, o muso relutante, já estava habituado a escritores. Com o seu ar vagamente monástico, a fazer lembrar Afonso Cruz, sentou-se num cadeirão de canto e esperou. Eram quase onze horas quando a escritora apareceu, mole e olheirenta, e foi logo para o computador.

Estás com pica para escrever?

Ah, que susto! — sobressaltou-se a escritora. — Olá! Sim, mas primeiro vou enviar uns mails, ver as notícias e consultar as entradas no meu site. É só uns minutos.

Três quartos de hora depois, o muso voltou à carga, com bonomia:

E agora, podemos começar?

Ó pá, deixa-me só enviar mais uns mails.

Mas não tinhas já enviado?

Já te expliquei que eu envio mails de divulgação do meu último conto publicado para milhares de endereços. E não posso enviá-los todos logo, porque o sistema só permite cem de cada vez. E também há um limite diário. Aguenta um pouco!

O muso respeitou o envio de mais um pacote de divulgação. Logo depois:

Porque é que não publicas um livro e já evitas esse trabalhão?

Keravnó, as editoras não querem saber dos meus contos. É por isso que optei pela divulgação virtual.

...vnós, Keravnós! — corrigiu o muso. — Se calhar, é porque não prestam… Comercialmente falando, claro!

Ó caríssimo transportador da inspiração — matraqueou a escritora —, eu não preciso de sarcasmos desses! Mas Vossa Senhoria pode atirá-los à vontade, sabe porquê? Porque os meus contos estão fartos de ser reconhecidos em dezenas de concursos literários. Concursos não mentem.

Achas? Queres dizer que comprovam que os teus contos têm qualidade?

Quero acreditar que sim. Só que as editoras não arriscam. Se eu fosse uma figura pública era mais fácil. E também podia pagar uma edição, mas as editoras depois querem que seja o escritor a vender os livros aos amigos. E isso eu não quero. Prefiro enviar-lhes os contos de graça.

Já pensaste em desistir?

O gozo que me dá escrever não tem igual. Sobretudo, saber que sou lida. Desistir está fora de questão. As novas tecnologias permitem-me contornar a barreira entre escritor e leitor que as editoras, paradoxalmente, significam. Obtenho cerca de duzentas, trezentas entradas em cada conto. Tomaram muitos livros ter esta saída!

Dá-te gozo escrever ou ser adulada? Imagina que enviavas os mails e ninguém te ia ler!

A escritora baixou a cabeça, pensativa.

Aí, não sei! Agora não quero pensar nisso. Vou fazer uma pausa para almoço.

Mas quando é que tu escreves?

Tenho tempo. Só quando tiver a história toda articulada na cabeça.

Ok! Mas toma atenção que não és o centro do mundo; tenho muita gente à espera; cada vez mais…


Pelas duas da tarde, Keravnós voltou à carga:

É agora?

Oh, agora estou mole. Deixa-me fazer uma pausa para ver a minha série. Depois falamos: mas primeiro vou enviar mais cem mails.

Hora e meia depois:

E agora?

Oh, que chato! Tá bem… Eh, pá, mas hoje não dá muito jeito. Tenho que escolher o conto para um concurso que termina depois de amanhã.

Isso é rápido, não?

Nem por isso. Tenho de ver que número de páginas pedem, se o tema é livre ou não. E, sobretudo, se exigem ineditismo. Se não exigirem, tenho muitas dezenas de contos; já inéditos são menos de vinte. Depois de escolhido, tenho de o voltar a ler com atenção. Há sempre coisinhas para alterar. Olha, porque é que não voltas amanhã? Aí víamos isso com calma.

Vê lá se não te arrependes…


No dia seguinte, às nove da manhã, Keravnós apresentou-se ao serviço. Instalou-se no cadeirão que já conhecia e entreteve-se a folhear a Odisseia que estava por ali. A olheirenta e desgrenhada escritora apareceu pelas onze e meia.

Bom dia! — cumprimentou o muso em tom festivo.

Ai, que parvo! Não me apareças assim.

Vamos à obra?

Já te disse: a primeira coisa é enviar mails, depois ver quantas entradas tive no meu site, depois mais mails, depois almoço, depois série. Depois… O que não falta são tarefas: responder a quem me comentou, pesquisar concursos... Ó pá, hoje não dá. Tenho de publicar um conto num site coletivo. Já sei que conto vou publicar, mas tenho de revê-lo mais uma vez e escolher uma imagem adequada para o ilustrar, geralmente, uma pintura. Volta amanhã, se te der jeito! Mas só depois das sete, que amanhã é dia de trabalho.

Amanhã não sei se posso, mas diz-me ao menos que tema pensas tratar. Também tenho de me preparar!

Não desarmas; és incrível! Quero falar sobre a situação especial da mulher; da sua traiçoeira condição física, digamos assim. Há dias, pensando nisso, surgiu-me a ideia geral do tema: “enfrentar o mundo com uma vagina”. Não sei de onde me veio a ideia.

Keravnós sorriu subtilmente.

E é tudo?

Tenho vindo a desenvolver a ideia. De “enfrentar” adveio-me a ideia de confronto, guerra, armas. E de como o espírito agressivo do homem macho se alimenta da testosterona e da imagem potente do pénis. Para o homem, o esplendor do seu pénis ereto só é comparável à majestade de uma espada refulgente erguida em glória. Ora o equivalente “feminino” da espada é… a bainha. “Enfrentar o mundo com uma bainha” deverá ser o título, para não ser tão sexualmente explícito.

Interessante! É por causa dessa ideia que andas a ler a Odisseia?

Sim, como é que suspeitaste? Lembrei-me da Penélope. Em que outra mulher famosa é tão evidente a impotência física feminina, perante a ausência da espada do marido? O que pode ela fazer com uma bainha? Pode muito, mas não numa lógica de confronto e violência. Terá de ser através da suavidade e da astúcia: a arma dos “fracos”. E é a astúcia que Penélope vai usar. Mas amanhã falamos melhor. Tens tempo?

Se já sabes o que vais escrever, escuso de cá vir…

Tens de vir! Entre esta ideia, que nem sinopse é, e uma história intensa e luminosa há uma multidão de aspetos a criar e a articular. Vá lá! Não me abandones agora. Preciso de um início que desperte curiosidade imediata, de uma trama com peripécias engenhosas, mas verosímeis, de um clímax intenso e de um final surpreendente e inspirador.

Vamos a ver... Às seis da tarde tenho uma miúda talentosa do Norte, que está agora cheia de pica. Talvez ela se despache! Senão, começa sem mim! Pelo menos, podes continuar a ler a Odisseia. A pesquisa dá sempre bons resultados.


Joaquim Bispo

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Este texto foi um dos 20 selecionados no concurso literário do Motus — Movimento Literário Digital, da Universidade Federal do Pampa (UNIPAMPA) e integra — páginas 35 a 38 — o número #3 da revista digital Motus de outubro de 2019.

https://issuu.com/motus-unipampa/docs/motus3

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Imagem: Aaron Shikler, Mulher lendo, 1922.

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10/08/2023

A Grande Extinção

 

O sol iniciava o percurso descendente sobre a área predominantemente agrícola que será conhecida, sessenta e cinco milhões de anos depois, por Lourinhã e se estende bem para dentro do espaço que será mar no futuro. Em todos os ninhos urbanos terminaram já as diligências alimentares do período zenital, exceto no ninho de Albbano. Alddina mantinha quentes as fatias de ovos de anquilossauro com caules tenros de rhynia, enquanto, inquieta, espreitava o caminho, na esperança da chegada iminente do companheiro. A certo momento, resolveu pedir ajuda ao filho de ambos, através do comunicador.

Não te preocupes, mãe. Assim que o encontrar, aviso-te — sossegou-a ele.

Alccino transpôs rapidamente a distância até à exploração pecuária do pai. Com o olhar percorreu as suaves ondulações cobertas de polipódios, onde pastavam pachorrentamente uma dúzia de torossauros. Não viu a silhueta altiva do pai, um parassaurolofo corpulento, mas um pouco dobrado pela idade. Entrou na chocadeira central, e os funcionários disseram que ficara abatido quando soubera de mais três eclosões goradas.

Após um tempo de caminhada atenta pela vertente da ladeira, alcançou o alto da colina. Cheiros adocicados embebiam-no. Por momentos, abstraiu-se do que o trouxera ali. Olhou a toda a volta. Para norte, a vista admirável e querida do seu Vale Fetal, com o verde de vários matizes a colorir a distância até à vertente oposta e mais além. Para sul, a dois vales de distância, as manchas redondas e ocres dos ninhos urbanos da povoação. Mais perto, os vales dos vizinhos e amigos Esppinos e as suas explorações pecuárias de alamossauros, os enormes herbívoros ternos e pachorrentos. Seria possível que o pai tivesse vindo visitar os amigos?

Veio-lhe à memória outro episódio de há muitos anos, quando uma epidemia lhe matara dezenas de animais. Nessa altura, foram descobri-lo amodorrado numa enorme rocha lisa virada ao sol do oeste, de onde se avistava o mar e aonde só se chegava por uma vereda.

Também agora foi encontrar o pai alapado na Pedra do Poente em grande prostração. A crista, habitualmente alaranjada, era agora cinzento-esverdeada. Não parecia ferido, só abatido. Aproximou-se suavemente. Queria ajudá-lo, não invadir a sua privacidade.

Então, pai! Estás aqui! Estávamos a ficar preocupados...

Não obteve reação. Albbano mantinha um olhar de enorme tristeza perdido na lonjura.

Não fiques assim, pai! — disse Alccino cheio de ternura. — São só mais três ovos gorados. Já aconteceu muitas vezes.

Alccino comunicou com a mãe a sossegá-la e continuou a tentar animar o pai, com argumentos racionais. Finalmente, Albbano começou a falar em voz baixa, pausadamente.

Não são só mais três ovos gorados, filho, nem só mais um animal morto! Nós estamos a extinguir-nos. O ambiente está envenenado com os compostos de irídio que servem para tudo. As crias não conseguem romper a casca. Está cada vez mais dura e inquebrável. E não é só com os animais. Como já te contei algumas vezes, para tu nasceres houve que quebrar a casca artificialmente. Nós, os parassaurolofos, praticamente já só nascemos de crustatomia. Se não fossem os cuidados obstétricos, desaparecíamos. O panorama geral é preocupante. As crias não conseguem romper a casca, os ovos não são fertilizados, as populações de todas as espécies estão a diminuir a um ritmo assustador. Todos os anos desaparecem muitas espécies para sempre.

Calou-se, por momentos, a ganhar alento. Alccino respeitou o silêncio do idoso.

A destruição da vida no planeta, tal como a conhecemos, está a tomar proporções gigantescas. Dantes, além, avistava-se o tremeluzir da superfície do mar. Agora, o que se vê são reflexos de objetos a flutuar. Mantas de lixo a cobrir enormes áreas de oceano. Há quanto tempo lá não vais? É triste, deprimente, apetece não voltar lá mais. Como nos deixámos chegar a esta situação? Estamos mesmo em perigo, acredita!

Fez uma pausa, a rememorar, a organizar leituras.

Eu vou-me informando, sabes! Já houve outras épocas da Terra com indícios semelhantes e que resultaram em enormes extinções. A maior foi há 185 milhões de anos, que fez desaparecer 96% das espécies marinhas e 70% das terrestres. Devido à gravíssima situação que atravessamos, os cientistas já falam na Extinção em massa do Cretácico, a época atual, ou a Quinta Extinção. Estão registadas cerca de oitocentas espécies que se extinguiram nos últimos quinhentos anos, mas, como a maioria não está documentada, os cientistas calculam que é mais provável que se tenham extinguido entre vinte mil e dois milhões de espécies, só no último século. E, tendo em conta os limites do conhecimento atual, a taxa anual de extinção pode chegar às 140.000 espécies. Estamos no limiar da catástrofe.

Alccino agachou-se, abatido pela força terrível dos números.

Mas, pai — reagiu —, não são só teorias malucas de tipos que veem um mosquito e lhes parece um alamossauro? É que eu nunca ouvi falar disso…

Não, Alcci, quem afirma que a extinção atual é um facto são cientistas conceituados entre os seus pares. Dão conferências, mostram dados, mas parece que ninguém os ouve. E dizem mais; dizem que somos nós — a espécie dominante —, que estamos a provocar a extinção em curso. Com a caça intensiva, a introdução de organismos perigosos para os nativos, a destruição dos ambientes naturais, a desflorestação, a sobreexploração agrícola, a poluição, o envenenamento com agrotóxicos e hormonas pecuárias. Infelizmente, o que está na raiz de todos estes problemas é o crescimento populacional contínuo da nossa espécie e o consequente superconsumo. Já viste que os animais, sobretudo os grandes, não têm áreas onde possam viver em liberdade? O planeta está praticamente todo ocupado por nós...

Mas sempre houve espécies a desaparecer de maneira, digamos, natural…

Sim, só que com a nossa ação, a que alguns também chamam natural, mas de extensão e intensidade avassaladoras, a perda de biodiversidade é dez a cem vezes mais rápida. E seremos nós que acabaremos por pagar um preço demasiado alto, pela rápida diminuição do único conjunto de vida que conhecemos no Universo. Ficaremos sozinhos. Sem a concorrência que vencemos, extinguimo-nos também. Foi uma má opção termos dado ouvidos ao venerado texto que nos aconselhou a multiplicar-nos e a prevalecer sobre todos os outros companheiros de viagem desta nave cósmica.

Isso não pode ser assim tão dramático, pai. Nós somos a espécie mais bem sucedida de toda a história do planeta...

Este sucesso começa a parecer demasiado catastrófico. Quando deteriorarmos o planeta a um nível irreversível, seremos nós a extinguir-nos. Ironicamente, essa pode ser a solução para o planeta e para a vida que restar: livrar-se de nós.

Albbano calou-se. Pai e filho mantiveram-se pensativos ainda por algum tempo. Talvez por ter desabafado, Albbano começou a sentir-se com forças para regressar. Em passos brandos, porque anoitecia e a vereda podia ser traiçoeira, dirigiram-se para o ninho, em silêncio. Por cima do horizonte, ia nascendo o cometa, que, havia semanas, iluminava as noites em todo o mundo, fazendo os agourentos predizer desgraças iminentes. A majestosa cauda ocupava já boa parte do lado nascente do céu. Caminhar para aquele esplendor celeste não atenuava a sombra de preocupação com a saúde do pai com que Alccino vinha a cismar.

Alddina recebeu-os ainda apreensiva, mas já calma. Depois de uma refeição ligeira, Albbano aninhou-se. Alccino chamou a mãe e agacharam-se a conversar.

Mãe, o pai não está bem. Fez-me uma conversa completamente alucinada. Só fala em fim do mundo e em catástrofes. Temos de o levar ao cuidador mental.

O olhos de Alddina humedeceram. Em esgar, pronunciou:

Já há algum tempo me tinha apercebido de que algo não estava bem, mas não queria admitir. Deve ser excesso de trabalho. Meu querido Albba!

Joaquim Bispo

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Este conto foi um dos selecionados para a 40ª edição (julho/agosto de 2023) da Revista LiteraLivre, em formato e-book (páginas 92 a 95):

https://drive.google.com/file/d/1G4TeTsjwPjDlu8mb5xDhUbiNF-TyToIY/view

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Imagem: Parassaurolofo. Da Internet.

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10/07/2023

Na Praia do Osso da Baleia

 


Naquela altura, praticávamos geocaching, para tornar o exercício ciclista mais motivador. Ir à procura das caixinhas escondidas em locais aprazíveis, ou só curiosos, através da sua localização GPS, obrigava-nos a pedalar para chegar aos locais indicados no respetivo site da Internet, mas sem a carga de exercício físico obrigatório que o andar de bicicleta tinha tido até então. Isto, porque pedalávamos, quase diariamente, uma dezena de quilómetros, não tanto pelo gosto, mas para manter alguma forma física, aconselhável a um casal sexagenário.

Naqueles dias de férias, a nossa base era a Praia de Vieira de Leiria, uma localidade muito animada, em época de veraneio, mas que naquele meado de um setembro invulgarmente nebuloso, mesmo para aquelas paragens litorais, perdera parte do bulício habitual. No primeiro dia, fomos à procura de uma cache escondida junto ao parque de campismo da Praia de Pedrogão. Era um pequeno tupperware com um boneco pokemon e um caderninho minúsculo — coisa de miúdos. Assinámos: “Rolling biker 56” o meu nickname e “Fiftie Agnes” o da minha companheira Inês.

No dia seguinte, fomos para sul, para encontrar, junto ao farol de São Pedro de Moel, num buraco da falésia em que pescadores amadores se empoleiram para lançar as linhas ao mar, uma caixa de VHS com três florinhas secas e um pequeno texto: «Este farol chamado “do Penedo da Saudade” foi construído no promontório onde, segundo a lenda, a duquesa D. Juliana Máxima de Faro, dona destas terras, vinha, através destas flores chamadas “Saudades” e que só aqui crescem, relembrar o marido, mandado executar pelo rei D. João IV, por traição, no século XVII.» Assinámos também o registo, conforme a norma.

No terceiro dia, rumámos a norte, para a zona da Lagoa da Ervedeira zona bonita e ainda arborizada, felizmente poupada aos grandes incêndios de 2017. Não foi fácil encontrar a cache escondida num pinhal, uns quilómetros depois. Até aonde a vista alcançava, a paisagem, que acompanhava a ondulação arenosa do solo, era um mar lúgubre de pinheiros queimados, com os seus braços negros e nus pedindo clemência. Com eles, ardeu, provavelmente, a caixinha que procurávamos. Decidimos que só podia ser um resíduo plástico calcinado que encontrámos no local que as coordenadas GPS indicavam, junto a um tronco queimado. Como passava pouco das três da tarde, resolvemos continuar para uma cache escondida na Praia do Osso da Baleia, a uns doze quilómetros, segundo indicava o GPS.

Pedalar com um objetivo definido é bem mais fácil do que fazê-lo para cumprir um número de quilómetros vagamente combinado. Como, além disso, as autarquias dotaram toda aquela zona costeira de ciclovias ao longo das estradas principais, o nosso exercício podia ser um passeio aprazível, apesar do céu nublado; infelizmente, o aspeto desolador da paisagem acabrunhava-nos. Os pinheiros, já de si retorcidos por ação dos ventos marítimos, assim reduzidos a troncos negros sugeriam formas espectrais inquietantes. Pedalávamos calados, de olhos no ecrã de GPS, lançando olhares apreensivos à multidão tétrica e torturada que nos envolvia.

Entretanto, lembrámo-nos do crime horrendo que aconteceu naquela mesma praia há uns trinta anos, em que um tipo, aparentemente normal e integrado, matou a mulher, a filha e mais cinco amigos com quem estava a confraternizar na praia. O que fará alguém enlouquecer de um momento para o outro? Que transtorno mental invadirá o cérebro de uma pessoa e a fará não reconhecer os seus próximos, ou, reconhecendo-os, odiá-los ao ponto de os matar à machadada? Ainda que incomodados com a evocação, decidimos que não havia, atualmente, nenhum motivo para evitar aquela praia e falhar o nosso objetivo.

A Praia do Osso da Baleia não tem uma povoação associada, não tem um restaurante nem um bar, nada. Pelos vistos, não passa daquela enorme extensão de areia, na altura, nevoenta, apoiada por um pequeno parque de estacionamento, então, deserto. O GPS fez-nos subir a duna baixa que nos separava da praia e caminhar uns trezentos metros para sul, mas nada havia ali, além de areia, naquela base de duna a cem metros da água. No entanto, o localizador por satélite era claro: «Chegou ao seu destino!».

Depois de uma inspeção mais atenta, descobri uma pequena ponta negra a emergir da areia. Ali comecei a escavar com o canivete suíço, que anda sempre comigo. Não tardou que embatesse em algo rígido, que retiniu. Parecia um antigo frasco de compota ou de azeitonas e estava enterrado no que poderiam ter sido os restos de uma fogueira. Olhámo-nos sem dizer nada, a apreensão no olhar.

O interior era visível e mostrava apenas o que parecia uma pequena placa óssea. Abrimos o frasco e percebemos que a placa estava esgrafitada. Consegui ler: «Nós que aqui estamos», de um lado e «por vós esperamos», do outro.

O choque destas palavras tão simples, mas tão simbólicas, que aparecem escritas em cemitérios e “alminhas” um pouco por todo o país, foi brutal. Naquele momento, por coincidência, correu uma brisa fria e pareceu-nos que o nevoeiro se adensou. A Inês recuou dois ou três passos, o olhar em pânico. Eu larguei aqueles objetos, como se queimassem, a tentar racionalizar. «Que raio! Quem teria feito uma maldade destas? Brincadeira estúpida!»

Quero ir-me embora — articulou, por fim, Inês.

Estúpidos! — resmunguei eu, enquanto pegava no braço dela e nos encaminhávamos para a estrada.

Na parte norte da praia, avistámos a vaga imagem de um grupo de seis ou sete pessoas, que pareciam sentadas e reunidas em círculo, talvez à volta do início de uma fogueira. Não as tínhamos visto ao chegar, mas aquela visão de normalidade reconfortou-nos. Ver membros da nossa espécie num local inóspito transmite-nos um sentimento de segurança, de solidariedade potencial. Passou-me pela cabeça, momentaneamente, a ideia de nos aquecermos um pouco, antes de partirmos, porque a temperatura tinha caído fortemente. Uns metros andados, pareceu-nos que olhavam para nós. Para quebrar o desconforto, acenei-lhes. Não responderam.

Quero-me ir embora! — acentuou Inês.

Tem calma!; está tudo bem — tentei eu sossegá-la, mas pouco convencido.

Nesse momento, levantaram-se dois ou três vultos e começaram a dirigir-se para nós.

Calma! Não dês a entender que tens medo — disse eu, para travar a minha parceira que apressara muito o passo.

Entretanto, calculava distâncias, apesar do nevoeiro cada vez mais cerrado. Nós estaríamos a duzentos metros da passagem da duna, mais cinquenta até às bicicletas. Eles estariam a uns trezentos metros da passagem da duna. Com passo ligeiro chegaríamos antes deles, sem problema. Além disso, não tínhamos razões para temer ameaças vindas daquelas silhuetas, embora escuras. Era só uma questão de prudência. O homem pode ser a salvação de outro homem, mas também pode ser a sua perdição. E, em locais ermos, uma pequena diferença de força ou de número pode transformar os homens em predadores brutais. Impregnados de “selva”.

Nessa altura, levantou-se vento vindo de norte. Empurrava-os a eles e travava-nos a nós. Procurei conter o pânico, mas Inês já tentava correr, sem grande êxito. Chegámos à passagem, quando os três desconhecidos, com os outros mais atrás, já pareciam demasiado próximos, mas sem conseguirmos distinguir-lhes as feições. Então, já gesticulavam e gritavam. Ou assim parecia, por causa do vento.

Corremos para as bicicletas e arrancámos, desvairados, Inês à frente e eu, sem olhar para trás, concentrado na pedalada. Durante aqueles metros iniciais de inércia da bicicleta, ouvi distintamente as pancadas dos pés deles, em corrida, mesmo atrás de mim.

Acelera, Inês — gritei, apavorado. — Se me apanharem, foge tu!

Eu sabia que lhe apetecia gritar e chorar, mas aguentou uma pedalada vigorosa, durante centenas de metros, demonstrando um sangue-frio notável. Aos poucos, para minha grande surpresa, as passadas pesadas dos nossos perseguidores deixaram de se notar. Ouvia-se só o som soprado do vento nos troncos calcinados, a abafar o ruído “textural” dos pneus no asfalto vermelho. Olhei, enfim, para trás, mas só discerni o trilho deserto da ciclovia. Talvez uma hora depois, estávamos no quarto do hotel.

Raramente voltámos a falar daquele anoitecer na Praia do Osso da Baleia. Não sabemos o que vimos ou o que pensámos que vimos. Não faço ideia do que veria, mas tenho para mim, que, se naqueles momentos iniciais da fuga me tivesse distraído um momento a olhar para trás, não estaria aqui para contar.


Joaquim Bispo


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Por seleção em concurso literário, este conto integra (páginas 112 a 114) a coletânea MIRAGE — Miscelânea de Narrativas Irreais, do projeto “Delírios” do coletivo editor Coverge, Curitiba, Brasil:


https://pt.scribd.com/document/409016246/Mirage-Miscelanea-de-Narrativas-Irreais


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Imagem: Iberê Camargo, Ciclistas, 1989.

Fundação Iberê Camargo, Porto Alegre, Brasil.


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10/06/2023

Cioccolato


Este relato começa quase no final da volta que Roberto Gama costuma dar pelo hipermercado local, ao fim da tarde, arrastando o cesto de plástico com rodas que vai fazendo o troc-troc típico no piso de mosaicos. A certo momento, conferiu o que já levava: uma piza pré-cozinhada em forno de lenha, um frasco de azeitonas, leite, tostas, nêsperas... Para esse dia, chegava, mas, antes de se dirigir às caixas de pagamento, era altura de passar pelos corredores onde gostava de se apropriar de algum bem facilmente escamoteável: uma embalagem de fatias de presunto; uma caixa de preservativos; uma escova de dentes — tudo mercadorias achatadas e leves. Desta vez, escolheu um chocolate de leite de uma marca conhecida e, com a destreza do hábito, meteu-o por dentro da camisa previamente forrada de papel de alumínio, por causa da deteção eletrónica.

Como se percebe, esta prática a que ele chamava “taxa de cliente frequente” era mais um jogo lúdico e rebelde que lhe vinha da adolescência do que uma manha de falsário. Agradava-lhe uma certa tensão que sempre experimentava e gostava de pensar que introduzia uma minúscula, mas real, reposição de justiça de tipo “Robin Hood” nas relações comerciais que os magnatas das mercearias impõem ao grande público. Mas sempre sem exagerar, não se desse o caso de ser apanhado. Dirigia-se já para as caixas, quando deu de caras com uma antiga namorada no corredor das conservas.

Roby! Que surpresa! — quase gritou ela, ao vê-lo. — Moras por aqui?

Olá! Há quanto tempo! — exteriorizou também Roberto, em luta mental para se lembrar do nome da amiga. — Moro ali na Arroja. E tu?

Moro em Loures. Vim à Loja do Cidadão e acabei por entrar aqui no Super.

Que interessante! Não nos vemos desde quando?

Eu sei lá… Para aí há dez anos. Eu devia ter uns vinte e cinco! Casaste?

Não; e tu? Na altura foste atrás dum tipo mais velho…

Não, não correu bem. Continuo solteirinha e boa rapariga… Nem sempre por opção… — riu-se com a graça da queixa.

Nesse momento, Roberto lembrou-se da tablete de chocolate. Desconfiou que tinha amolecido. Era natural; havia já um bocado que estava próxima do calor do corpo. Ainda mais em junho

Olha, eu preciso de ir à casa de banho. Ainda vais fazer mais compras?

Não, só levo aqui uma lasanha, para logo; e achei barata esta garrafa de vodka.

A passagem pela caixa não foi tão rápida como convinha a Roberto. A dupla tensão fez os seus estragos — começou a sentir nitidamente uma massa pastosa a escorrer-lhe pelo umbigo.

Depois de saírem, o problema já não parecia tão grave; só um pouco constrangedor. Prosseguiram a conversa pelos corredores do centro comercial, em direção ao parque de estacionamento.

Roby; quem havia de dizer que te encontrava aqui! Lembras-te que nos conhecemos também num centro comercial? E tu não eras de modas… convidaste-me logo para ir ao teu quarto.

Bons tempos! As paródias que a gente fazia…

Tu eras muito maluco! Daquela vez que querias no elevador!

Do elevador não me lembro; mas quando fomos apanhados no provador da Zara? — Roberto riu-se com gosto, relembrando o episódio. «Tinham sido tempos realmente desvairados. Como é que ela se chamava?»

Ela também se riu, comprazida com as recordações. Praticamente, saltitava ao seu lado. Para ele, estas lembranças estavam a piorar sensivelmente a situação. Fechou um pouco o riso quando sentiu que a pasta de chocolate estava cada vez mais fluida e vencera a resistência do cinto na cintura. A invasão das zonas íntimas não era completamente desagradável, mas não era o momento... De qualquer modo, tinha de se livrar rapidamente da companhia, para poder compor-se. «Mas, com esta conversa, não é o momento...»

E as experiências que tu inventavas… Uma vez arranjaste ovos cozidos… Outra, chantili… Lambuzámos o lençol todo. “Ganda” bodeguice!

Olha se tivesse sido chocolate!

Hum! Cioccolato! — o trejeito de deleite indicava que a sonoridade da língua italiana lhe trazia boas emoções. Sou doida por cioccolato. Era o que devias ter arranjado... Até o lambia...

Sabe-se que os mais brilhantes homens perdem parte da capacidade racional quando as funções cerebrais responsáveis pelo pensamento lógico são atordoadas pelas emoções. De um momento para o outro, Roberto deixou de se preocupar com a tablete liquefeita que descia pelo seu corpo e vislumbrou uma promessa de resto de dia como antigamente. E, antes que o córtex pré-frontal retomasse o comando, saiu-lhe da boca o convite:

Lá em casa tenho cioccolato

Maroto! E é bom o teu cioccolato? — perguntou ela, em tom insinuante.

Do melhor. Suíço! — abriu-se Roberto em sorriso. — Vou só ali à casa de banho.

Aproximavam-se das casas de banho e da escada rolante para o estacionamento, quando a jovem reparou que as pessoas se viravam à passagem deles. Viu então que Roberto tinha os sapatos manchados e ia deixando um rasto de pingos castanhos. Estacou e encarou-o, em pedido mudo de explicações.

É chocolate! — respondeu ele, confrangido, mas o esgar no rosto dela afastando-se indicava que não tinha sido convincente.

Olha! Olha! Amiga! Eu posso explicar — lançou ainda Roberto, ignorando os olhares de censura que o cercavam.

Regina! — respondeu a rapariga, virando o rosto sem abrandar o passo.


Joaquim Bispo


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Por seleção em concurso literário, este conto integra a antologia “Doçaria Cristal” — páginas 48 a 50 — da Editora Jogo de Palavras:

https://www.jogodepalavras.com/antologias

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Imagem: Mel Ramos, Virnaburger, 1965.

Museu Coleção Berardo, Lisboa.

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10/05/2023

Um crime suburbano

 

Não é um feito de que me orgulhe, mas tenho de confessar: eu apanho coisas no lixo. De vez em quando, percebo que uma peça interessante está poisada junto a algum dos grupos de caixotes que estão distribuídos um pouco por todo o bairro. Já trouxe para casa uma pequena mesa de apoio de sofá, uma prateleira para frascos de especiarias, uma moldura de madeira trabalhada e pintada de castanho, mas, geralmente só apanho livros. Apesar de poucas pessoas os comprarem, vão aparecendo livros, geralmente escolares, junto aos caixotes.

Esta história começa há uns quatro meses, em uma das minhas voltas de caminhada e exploração, que, invariavelmente, tentam percorrer itinerários menos habituais, quando encontrei uma caixa de cartão com livros, junto a uns caixotes de lixo no “Bairro dos Sinistrados”. Tinham todos capa preta e eram da mesma coleção de especulação paracientífica, área que agora me interessa pouco, mas que fez sucesso nas décadas de 70 e 80. Percorrendo os títulos, acabei por me agradar de “Os arquivos do insólito”. No meio deles, uma agenda de 2007, de tamanho próximo do dos livros — menor que o A4 —, que aparentemente tinha sido usada como diário. Movido por uma curiosidade voyeurista, acabei por a trazer para casa, também.

Era uma dessas agendas com umas quantas folhas iniciais de informações supostamente úteis, como a conversão entre as medidas inglesas e as do sistema métrico, as distâncias quilométricas entre cidades europeias, os feriados municipais de dezenas de concelhos portugueses, os cálculos de volumes de sólidos simples, e outras irrelevâncias de uso incerto. O resto apresentava três dias por página e estava parcialmente manuscrito. Havia muitos dias em branco, mas o espaço de outros estava aproveitado até às margens, em letra tanto mais pequena quanto o autor percebia que tinha mais para dizer do que o espaço disponível. Havia mesmo dias que invadiam o espaço dos seguintes.

A letra era relativamente bem desenhada e fui lendo as observações do quotidiano de alguém que, aparentemente, vivia de apanhar e vender metal, além de explorar uma horta urbana clandestina. Nada de especialmente movimentado ou excitante, mas, a certa altura, o relato terminava abruptamente e percebia-se que a folha seguinte tinha sido rasgada pela base. Caramba! Este pormenor acicatou-me mais a curiosidade do que o facto de ter encontrado a agenda. Teria a folha sido rasgada por conter alguma peripécia comprometedora ou o autor do diário tinha simplesmente precisado dela para escrever um recado? A curiosidade era grande, mas nada podia fazer.

Nada podia fazer em estado de vigília, mas, quando acordei na manhã seguinte, o trabalho do meu espírito, enquanto dormia, deu frutos. Lembrei-me de ter visto num filme, talvez policial, uma situação semelhante em que o protagonista tinha conseguido reconstituir o que tinha sido escrito, pela análise laboriosa dos sulcos produzidos nas folhas adjacentes pela pressão da ponta da esferográfica na folha arrancada. Inclinando a página seguinte, percebi a existência desses sulcos. O principal estava provado; a técnica para conseguir ler os ditos sulcos fui buscá-la à Internet. Após uma semana de trabalho paciente e meticuloso — polvilhamento com pó de café, meia-linha a meia-linha, aplicação de luz rasante, fotografia de alto contraste —, consegui reconstituir todo o texto desaparecido, que tinha ocupado as duas faces da folha. Aplicar a técnica à folha anterior e já escrita foi mais delicado e moroso, mas no fim consegui ler tudo.

Fiquei alarmado. Realmente, havia razões muito fortes para o autor do diário tentar esconder o que tinha acontecido naquele dia. Tão grave era a situação que a primeira coisa que me ocorreu foi ir à Polícia denunciar o autor, fosse ele quem fosse. Algo, no entanto, me levou a enveredar por uma investigação pessoal: talvez o medo de me expor como testemunha; talvez a necessidade de ocupar os dias de uma reforma monótona. Primeiro, havia que caracterizar o autor do diário e eventual criminoso, pela análise ponderada dos seus escritos. Acompanhem-me nessa análise e avaliem também que tipo de pessoa é esta.


23 de março

Gosto do cheiro das manhãs, da luz limpa e verdadeira do sol nascente. De manhã sou mais eu, mais o jovem que dormia de janela aberta para receber os primeiros raios refletidos no Mar da Palha. Fumava um cigarro a contemplar os alvores rubros em luta contra a neblina do rio, o fumo do meu cigarro a evolar-se pachorrento, como os indolentes vapores da fábrica da farinha que ronronava todo o dia e onde eu trabalhei dez anos. Se fosse dia de folga, voltava a deitar-me para mais umas horas de sono. Uma manhã — maldita seja —, o rubro não era o do astro da vida, era o do génio da morte. A minha fábrica, o meu ganha-pão, era uma garra de fumo negro a esganar o meu futuro e o dos outros operários. Por detrás, o diabo em cabriolas de chamas por entre as máquinas, a cortar tapetes de transporte de grão, a derreter alcatruzes e roldanas, a comer o pão de todos. No momento, ainda suspeitei dos homens de negro de cuja existência os meus livros me avisavam, o que me pareceu que era corroborado pelas luzes estranhas que por vezes via pairar sobre o mouchão, mas não descortinei as suas sinistras silhuetas a assegurarem-se que o mal feito se cumpria na totalidade. Nunca mais lá voltei.

Hoje, o céu estava assim vermelho, potente. Ao pé da escola de baixo estava uma máquina de roupa. Arranquei-lhe o tambor e umas seis peças que consegui cortar, com a mesma raiva de há vinte anos.


2 de abril

Marteladas, o raio que os parta! Quem é que eles pensam que são? Têm a mania que são aristocratas, por afocinharem no gargalo da mini ao fim da tarde na esplanada do café do Sr. Manel. Estes tipos veem-me andar ao cobre, ao latão e ao alumínio e pensam que sou um tipo qualquer, que me podem tratar de qualquer maneira. Não sabem nada de mim, em que ofícios trabalhei, como me realizo, o que sou. Não lhes passa pela cabeça as coisas que eu sei. Nunca viram a minha estante de livros… Devem pensar que Heisenberg é um corredor de automóveis. Não sabem quem é, muito menos o que disse.

«Ó, Marteladas, bebe aqui uma mini, que pago eu.» — grasnou um, de olhinhos apertados pelo prazer do deboche, a querer mais caçoar do que oferecer.

«Marteladas deve ser aquilo que tu já não dás há muito tempo» — foi a minha resposta pronta. Tenho pouca vontade de servir de chacota aos outros, muito menos de tipos que não merecem respeito.

Veio para mim com ar agastado: «Mas, ouve lá, é assim que agradeces? Tu não te enxergas.» Dei-lhe um empurrão que o fez estatelar no chão de mármore, a garrafa a escaqueirar-se e o líquido a espalhar-se. «Quem não se enxerga és tu, que deves estar bêbado desde ontem. Vai mas é beijar o rabo ao teu patrão.» Levantou-se de um salto, os olhos muito abertos a correr para mim, mas eu só levantei o martelo. Hesitou, a ver a questão de outra perspetiva, a olhar para os parceiros a ver se tinha apoio. Só grunhiram uns resmungos de apaziguamento. Já todos me conhecem… Se fosse preciso, tinha a navalha.


8 de abril

Entrou um rato na horta. Não foi nenhum cão, não foi uma rabanada de vento. Foi alguém que entrou lá deliberadamente para roubar. Destorceu o arame que tenho na porta, andou a cheirar e arrancou duas couves. Podia simplesmente tirar umas folhas, mas não. Esta gente não sabe nada de nada. Veem as couves inteiras no supermercado e acham que é assim que se colhem. Estúpidos.


10 de abril

Foi um dia para esquecer. Dei voltas e voltas, cheguei a ir aos Pombais, mas só encontrei umas calhas de estore. Tive de fazer uma saída à noite. A mulher na telenovela a querer saber aonde ia. Por acaso eu chateio-a por ela estar sempre a ver televisão? Felizmente, tenho os meus livros e o escritório. À noite são as novelas, de manhã são aqueles vendedores de rifas. Interessa-lhes lá a música de qualidade ou a formação de cidadania; só querem que se telefone para os sorteios deles, pagando, claro. Deve haver umas centenas de milhares de estúpidos que telefonam todos os dias e não fazem as contas ao que gastam. Se calhar, já ultrapassa o prémio. Creem na sorte e não nas probabilidades. Uma hipótese em duzentas ou quinhentas mil? Parvos.

Só achei mais umas caçarolas e um escadote partido. Não gosto de sair à noite, porque não se pode estar a fazer barulho com o martelo.


13 de abril

Este ano vou plantar morangueiros e espinafres. Aos poucos, vou tendo de tudo. É incrível como um espaço de uns 40 metros quadrados dá tanta coisa: batatas, couves, alfaces, tomates, cenouras, cebolas, alhos, favas, beringelas, feijão grande. Fica caro comprar as ferramentas, as sementes, o adubo — quando encontro, prefiro comprar estrume; é mais natural. Se fôssemos contabilizar o trabalho, então… Mas sei o que como. Parece que me sabe melhor. As batatas têm um sabor que não tem nada a ver com as do super. E passar ali umas horas a tratar das plantas não tem preço. São tão generosas. Se as pessoas tivessem metade da generosidade das plantas…

A primeira horta que arranjei era lá em baixo, ao pé da ribeira. Já lá vão uns anos valentes. O espaço estava baldio e eu precisava de ganhar alguma coisa. Ou, pelo menos, de não gastar. E de ocupar o tempo. Nessa altura estava com subsídio de desemprego e tive de me desenrascar. Pareceu-me que poupar nas compras era uma espécie de complemento do subsídio. E era. Cheguei a ter três macieiras, uma pereira, um pessegueiro, uma ameixieira. Para nós dava. Ou tinha de dar. Passei a ir ao super só para comprar arroz e massa. E alguns enlatados. Mas depois quiseram melhorar o trânsito e fizeram para ali uns viadutos e umas rotundas e usaram o terreno à vontade deles. Enfiaram um pilar mesmo no meio da horta. Tive de procurar outro local. Aqui ao pé de mim tinham andado a mexer na ribeira, quando rasgaram uma rotunda, e deixaram uns espaços que davam umas leiras estreitas e inclinadas. Vedei uma tira com canas, aos poucos endireitei o terreno e criei um ponto firme na berma da ribeira para tirar água. Desloquei para lá uma arca congeladora velha, para fazer de tanque, e uns bidões de plástico. Quando tenho mais tempo, encho tudo. E rego quando é preciso. É quase como se tivesse água canalizada.

O que eu sinto é que aquilo dá-me trabalho, mas tiro de lá compensação mais do que suficiente. De víveres e de serenidade. Quando posso tirar. Porque esta noite o rato voltou e levou as beringelas todas: umas cinco ou seis. Andava a olhar para elas, à espera de ficarem maduras, para fritar às rodelas… Fiquei fulo. Que tipo de pessoa se vem aproveitar do trabalho de outro em seu proveito? Bem, qualquer um. Vivemos numa sociedade podre. Se apanho o ratinho…


16 de abril

Dia de entrega de material. O fulano de Torres Novas apareceu logo às 8 e meia. Só queria dar 50 cêntimos, o quilo, pelo alumínio, 2 euros pelo latão e 3 pelo cobre. Ferro, nem vê-lo. Isto cada vez está pior. Argumentava que as poucas coisas que eu juntei mal davam para a deslocação, porque tinha de pagar o gasóleo, os pórticos e as portagens.

Pouca coisa, para ele, que a mim bem me custou catar peça a peça. E cortá-las aos bocados, de modo a caberem nos bidões. Tinha quatro de ferro, dois de alumínio e meio com coisas de latão e de cobre. Acabou por subir um bocadinho e levou também o ferro. Tudo junto, pouco passou dos 150 euros. Enfim. Podia ser melhor, mas bom jeito dá. Com o que poupo com a horta, vai ajudando a esticar as reformas. E mortinhos que os do Governo andam para lhes meterem a unha.

Ninguém imagina a economia que representa a reciclagem de metal puro, em vez de ser extraído do minério. Ninguém suspeita que se economiza mais de 90% da energia elétrica que seria utilizada na produção do metal a partir da bauxita, li num artigo. Se fizessem as contas à energia que o país poupa ao reciclar os metais que nós, os coletores de sucatas, fornecemos, talvez nos dessem mais valor. É preciso é acabar com os que geram mais prejuízos que poupanças, esses que vão pelos campos de zonas pouco habitadas e desmontam centenas ou quilómetros de cabos de cobre — o “bife do lombo” dos metais —, quer da rede telefónica, quer da de distribuição de energia elétrica. E que roubam tudo o que aparece, desde floreiras e estátuas nos cemitérios, até esculturas, em praças ou rotundas, algumas com centenas de quilos. Vendem por umas dezenas de euros o que pode ter custado milhares. Não tenho nenhum respeito por essa gente. Olham para os trocos no bolso deles, não olham para o mal que fazem. O património artístico não lhes diz nada. Vivem para quê? Em dias fracos, quantas vezes olhei para os puxadores de cobre de algumas portas, mas seria preciso eu estar muito desvairado. Não, comigo não.


Aqui terminavam as páginas escritas. Só transcrevi as que me pareceu que melhor caracterizavam o autor, ao qual podemos chamar Marteladas, à falta de um nome. O que se segue é o texto recuperado, o tal que, aparentemente, o nosso homem quis esconder.


28 de abril

Se calhar, não devia escrever isto, mas preciso de desabafar. Nos últimos dias, houve três assaltos à minha horta. Ontem, depois de a ver patinhada, destruído um alfobre de alfaces e roubadas mais três couves e umas duas dúzias de cenouras, decidi-me. Quem rouba tais quantidades não é para comer, deve ser para vender. Arranjei um banquinho e um cobertor escuro e, à noite, instalei-me na horta, num nicho de canas que improvisei. Pelas duas da manhã, já estava arrependido. Achei que precisava de saber primeiro se o rato vinha à noite ou de manhãzinha. Estava quase a decidir regressar a casa e acolher-me ao quentinho da cama, quando ouvi um restolhar na vereda que dá acesso à horta. O meu coração partiu para uma prova de velocidade. Até tive medo que o barulho que fazia denunciasse a minha presença. Então, vi a sombra de um homem que, cautelosamente, destorceu o arame da porta e entrou quase sem ruído. Pela silhueta, parecia o tipo a quem eu dera um empurrão na esplanada do Sr. Manel. Sacana! Não era por fome, era por vingança. Senti um afrontamento no pescoço. Tentei dominar a raiva. Peguei, silenciosamente, no sacho que tinha posto à mão, disposto a dar uma coça no intruso. Na minha horta não entrava um ratoneiro impunemente. O ratinho olhou, a orientar-se no escuro e, fiado na vedação de canas, acendeu uma lanterna de bolso, mas não consegui divisar-lhe as feições. Momentos depois, já tinha cortado uma couve com uma navalha de bolso. Antes que cortasse outra, saí de trás das canas a gritar. O tipo assustou-se, mas depois cresceu para mim, com a navalha e a lanterna a encandear-me. Estava a ver o caso mal parado. Felizmente, o cabo do sacho era muito mais comprido do que o da navalha dele. Puxei-o de trás de mim, numa rotação lateral acelerada em direção à luz. Ouvi um som abafado e senti que o movimento foi travado por alguma coisa pouco rija e, imediatamente, apenas o escuro, a lanterna no meio das canas, o vulto do malandro a esmagar o canteiro das cebolas. Totalmente aturdido com a rapidez dos acontecimentos, mantive-me em pé, alerta não sei para quê. Passado um tempo que me pareceu infindo, tomei finalmente consciência plena do que acontecera. E da situação melindrosa em que me colocara. Baixei-me a apalpar o vulto caído, mas, pela brecha na cabeça, logo percebi que o irremediável estava feito. O calor de pouco antes deu lugar a um frio intenso. Perigo era o que sentia. Era preciso atuar rapidamente. Desfazer-me do corpo. Atirá-lo à ribeira, escondê-lo, desmanchá-lo. Na escuridão, percebi as manchas claras dos bidões e da arca congeladora. Esta era quase do tamanho do corpo. Não tentei provar a mim mesmo que era a melhor solução. Era uma solução.

As duas horas seguintes foram de trabalho esforçado. Afastei a arca e cavei uma cova suficiente para o corpo. Não a afundei mais que uns 60 centímetros, porque depois havia rocha. Para já, chegava. Arrastei para lá o corpo, tapei-o bem e arrastei a arca para o sítio dela, por cima do corpo. A terra que sobrou espalhei-a nas zonas pisoteadas e aumentei o cômoro das couves.

Voltei para casa, mas não consegui dormir. Nem ontem, nem hoje. São quatro da manhã e estou tão desperto como se tivesse dormido oito horas. Oiço um melro que não para com a cantoria. E só imagino coisas. Lembrei-me outra vez dos homens de negro. A cor negra do pássaro não é por acaso. Deve ser um sinal deles. Será que eles viram tudo? Não sei o que fazer.

*

Caramba! Tinha pensado em inúmeras situações que podiam ter obrigado o Marteladas a desfazer-se de uma folha do diário, desde roubos inconfessáveis, até maroteiras lúbricas, mas nunca suspeitei que ia encontrar um crime de sangue. Era disso que se tratava, sem dúvida. E tudo indicava que, apesar de alguns aspetos delirantes, o Marteladas era um indivíduo imputável. Tinha de ir à Polícia. Estava certo de que, apesar de não dispor da folha de diário original, facilmente conseguiria que a Polícia se interessasse pelo provável homicídio perpetrado por ele.

Chamem-me a mim delirante, se quiserem, mas, por um momento, tive medo de uma improvável construção ficcional do Marteladas. Um lampejo fez-me temer que aquela mente desvairada tivesse arquitetado um episódio excitante na monotonia da sua vida. Recobrei rapidamente o bom senso e afastei a apreensão de um possível ridículo ao perceber que, nesta hipótese, fazia pouco sentido a folha arrancada. Ainda assim, antes de ir à Polícia, resolvi obter maiores certezas. Sabia da existência de algumas referências — o “Bairro dos Sinistrados”, as hortas junto à rotunda, o café do Sr. Manel —, e foi por este que comecei: se conhecia alguém com a alcunha de Marteladas e se se lembrava de um recontro dele com outros clientes, uns anos atrás.

Oh, esse já está engavetado há muito tempo. Então o senhor não se lembra? O tipo matou um desgraçado que ia à horta dele apanhar qualquer coisa para comer, em vez de andar aos caixotes. Coitado!

Inesperada, é o que posso dizer desta revelação. Andava eu com tantos pruridos, com tantas cautelas e, afinal, já estava tudo resolvido.

Ah, sim? Sabe, eu moro aqui há poucos anos. E como é que o apanharam?

Parece que foi ele que se entregou. Eu não sei bem a história, mas acho que foi isso que veio nos jornais.

Isto também não me pareceu normal. Todos os criminosos tentam esconder o crime para salvarem a pele e este entregou-se? Pelo Sr. Manel soube onde era a casa do Marteladas — que, vim a saber, se chamava Francisco Gomes —, onde a mulher continua a viver e para lá me dirigi, um pouco sem pensar.

A mulher recebeu-me com a típica farda das donas de casa — uma bata às florinhas miúdas. Sem nunca referir a questão do diário, apresentei-me como um conhecido do marido, dizendo que nos encontrávamos por aí, quando também eu andava ao metal, mas que tinha estado fora uns anos e que só agora tinha sabido da prisão dele.

Ele nunca lhe falou no Esteves?

Fez que não. Se desconfiou, não o manifestou. Mandou-me entrar, “para as vizinhas não darem fé”, e, às minhas perguntas orientadas, foi informando que o marido, depois de ter morto o homem, andava alterado.

E eu sem saber porquê. Não dormia, estava sempre irritado, achava que andava a ser vigiado. O que, pelos vistos, era verdade.

Ah, sim? — incitei.

Pois! A certa altura, recebeu uma carta anónima com insinuações sobre algo que essa pessoa sabia. O meu marido ficou desvairado. Tudo o que ele suspeitava se confirmava. Ficou muito tempo a pensar, tão impaciente que eu não lhe podia dizer nada. Andou a remexer nos papéis dele, a rasgar coisas. Depois foi à horta, mas não se demorou. Dias depois, outra carta. Era a confirmação da chantagem. Exigia cinco mil euros, senão denunciava-o à Polícia, sem nunca explicar o que sabia.

E, então, pagou? — perguntei genuinamente curioso.

O meu marido tinha lá cinco mil euros para dar assim! Se calhar, até arranjava, se pedisse uns adiantamentos, sei lá! Mas resolveu não pagar. Sabe, ele era muito reto. Isto que lhe estavam a fazer era tudo o que representava podridão para ele. Então, resolveu ir à Polícia com as cartas do chantagista, sem eu saber que era para se entregar. Não quis que a barafunda fosse aqui em casa.

Esta revelação não me apanhou completamente desprevenido. Pelo que tinha lido no diário, pareceu-me que ele tinha uma espécie de ética pessoal.

Em que prisão é que ele está?

Está em Pinheiro da Cruz. Mas acho que não fica lá muito tempo. Ele apanhou oito anos; já vê, a coisa não foi premeditada, aconteceu, e teve a atenuante de se ter entregado. Quando foi preso, foi um grande choque para mim, que não sabia de nada. Pensei que ia lá ficar para sempre, digamos assim. Até dei uma limpeza a fundo ali no escritório dele.

Posso ver? — apontei com o queixo para a direção que ela tinha indicado. — Só para saber se ele ainda gosta de livros esquisitos — sorri, atenuando a impertinência do pedido.

Gostar, gostava, mas deitei tudo fora. Aquelas palermices só lhe faziam mal. Qualquer dia está aí e, se calhar, ainda se vai zangar comigo por ter deitado aquilo fora.

Entrámos. Era uma marquise fechada com uma escrivaninha minúscula e uma cadeira. A parede tinha estantes de cima a baixo, organizadas em prateleiras temáticas. Ao nível dos olhos era a secção de divulgação científica: Sagan, Asimov, Gould, Dawkins, Clarke, e outros nomes menos conhecidos. À direita, ficção científica e policiais. À esquerda, seria a secção “arrumada” pela mulher: restavam uns títulos “esquisitos”, relacionados com religião e marianismo. As prateleiras cimeiras deviam corresponder a ciência, propriamente dita, onde identifiquei nomes como Galileu, Crick, Darwin, Freud, Jung. Surpreendi-me de ver História e Política a partilhar uma prateleira e de uma inteira com livros sobre Arte e outra com Poesia. Este Marteladas — não é fácil adaptar-me a Francisco Gomes, depois de o ter tratado tanto tempo pela alcunha — é um indivíduo surpreendente, pensei.

E o morto? Sempre era um que tinha tido uma rixa com ele, além no café? Contaram-me… — disse eu, cautelosamente, com medo de denunciar o pormenor do diário.

Não, veja lá! Era o vizinho aqui da cave. Então, se nós soubéssemos a miséria em que ele vivia não lhe tínhamos dado as hortaliças que quisesse? É a pobreza escondida. Olhe, tenho feito um esforço para tomar atenção a algum caso parecido que haja por aí. E já tenho dado aos vizinhos. Agora, sou eu que trato da horta, sabe? Temos que nos desenrascar, não é?

E o chantagista, apanharam-no?

Acho que não, mas preferia não falar muito disso. Nunca se sabe. O meu marido suspeitava de alguém que tem uma janela que dá lá para a horta. Mas ainda fica desviada. Não sei.

Despedi-me e prometi visitar o marido na prisão. Não só precisava de manter a coerência da minha história, como fiquei verdadeiramente curioso por conhecê-lo.

No dia seguinte, fui a Pinheiro da Cruz, armado de bloco de notas e minicâmara. E o último livro do João Magueijo, como prenda. O Marteladas tinha uma tez levemente sanguínea, nariz um pouco abatatado, era alto e bem constituído, aparentando menos idade do que os 63 anos declarados. Estranhou a minha visita, por não me conhecer, mas eu disse-lhe que era um jornalista do Correio da Manhã e que estava a organizar uma reportagem que reabilitasse a imagem de presos que tinham matado por acidente. Contou-me tudo o que eu já sabia mas, quando lhe falei no chantagista, baixou a cabeça a sorrir.

Só falo disso se for off the record — exigiu.

Anuí, claro. Do meu lado era tudo off the record.

Sabe, eu vi-me muito apertado com a pressão dos remorsos, que vinha somar-se à vida atarefada e de pouca qualidade que eu levava. Estava farto. E cansado. Só queria sossego e descanso, mas o que me tinha acontecido não me permitia nenhuma serenidade. Fui eu que escrevi as cartas. Eu queria vir para a prisão, queria cumprir pena, para me livrar dos remorsos. Queria deixar de calcorrear as ruas à procura de metal. Queria deixar de ouvir novelas. Queria entregar-me, mas queria deixar a minha mulher a pensar que eu não tinha outra saída. Então escrevi as cartas, só para ela ler. Nem as mostrei à Polícia. E tive sorte, muita sorte. Aqui, Pinheiro da Cruz, é uma colónia penal agrícola. Os campos anexos da prisão são um paraíso para alguém que gosta de trabalhos do campo, como eu. Estou bem.

A minha capacidade de adaptação não me permitia mais surpresas. Despedi-me. A última visão que tive dele foi a de um rosto em grande serenidade. Antes assim!

Joaquim Bispo

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Este conto foi a base de um guião para cinema, desenvolvido pela realizadora Margarida Moreira, que intitulou “A Horta”, com o qual tem ganho vários prémios em concursos da especialidade. No passado dia 24/4/2023, em cerimónia realizada numa das salas do Cinema City do Campo Pequeno, recebeu dois desses galardões: “Best Short Screenplay” do Canada Independent Film Festival 2023; “Best Short Screenplay” do France International Film Festival 2023.

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Imagem: 

Eduardo Batarda, Néctar, 1984.

Centro de Arte Moderna, F. C. Gulbenkian, Lisboa.

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