Era
uma vez um rapaz que vivia sozinho no campo e raras vezes ia à
cidade. Falava apenas com as cabras, os pássaros e as árvores, a
não ser na festa dos rebanhos. Chegado à idade de casar, não
conhecia ninguém que quisesse viver com ele, e pensava que todas as
raparigas preferiam ficar na cidade, em vez de ir viver para o campo,
onde, às vezes, faz muito calor e muito frio, e não há luz à
noite. Então o João — assim se chamava o rapaz — foi falar com
o rei, dizendo:
— Meu
rei, já tenho vinte anos e ainda sou solteiro. Não sei de ninguém
que queira casar comigo. Peço-te que me arranjes uma noiva para
viver, dia e noite, lá no campo onde moro.
O
rei ficou muito admirado por alguém do seu reino não ter com quem
casar e disse:
— Daqui
a três dias, volta aqui, mas traz a coisa mais bonita que o campo
tem, como prenda para a tua noiva.
João
assim fez. Daí a três dias, voltou ao palácio com um braçado de
malmequeres. Ao lado do rei estavam três pretendentes, que ele tinha
arranjado, entre as solteiras da cidade. Uma disse:
— Não
gosto de malmequeres, que me fazem espirrar!
A
segunda disse:
— Tenho
muitos, lá em casa, mais bonitos que esses!
A
terceira disse:
— Os
malmequeres são as minhas flores preferidas. Caso contigo.
No
dia seguinte, fez-se uma grande festa e casaram-se os noivos que, por
fim, partiram para o campo. Durante uma semana, viveram os dois muito
alegres. Corriam, rebolavam nos prados, jogavam às escondidas e
riam-se a valer. Depois, o casal começou a ficar triste, porque
esperava que o casamento fosse diferente. A rapariga dizia que o João
não gostava dela, o que era um pouco verdade. Achava-a muito
delicada, muito “menina da cidade”. Começou a desejar que a sua
noiva fosse mais robusta e gostasse de jogar à bilharda, à pedrada,
e a outros jogos de rapazes do campo. Resolveram pedir ao rei que os
descasasse e lhes arranjasse outros noivos. Assim fizeram. Contaram
ao rei o que tinha acontecido e ele ficou muito pensativo. Disse ao
João:
— Volta
daqui a três dias, mas traz a coisa mais saborosa que o campo tem,
como presente para a tua noiva.
João
assim fez. Daí a três dias voltou com uma saca de peras, muito
cheirosas e suculentas. Ao pé do rei, estavam três pretendentes. A
primeira disse:
— As
frutas doces fazem-me engordar.
A
segunda disse:
— Para
comer peras, fico em minha casa!
A
terceira disse:
— As
peras são a minha fruta preferida. Caso contigo.
Assim
se fez e, depois da festa, os noivos partiram para o campo. Durante
uma semana correram, saltaram, riram e brincaram muito. Depois
começaram a ficar tristes. A rapariga dizia que o João já não
gostava dela, e era verdade. Achava-a demasiado suave e frágil.
Parecia-lhe que havia de preferir uma que fosse mais vigorosa e
gostasse de jogar às quedas e ao jogo do pau. Contaram tudo ao rei,
que os descasou e que, depois de pensar um bocado, disse ao João:
— Volta
cá daqui a três dias, mas traz a coisa mais divertida que há no
campo, como lembrança para a tua noiva.
João
voltou no dia combinado, com um par de cajados. A primeira das novas
pretendentes disse:
— Que
jogo tão rústico! Eu só gosto de jogos de tabuleiro.
A
segunda disse:
— Que
bruto; ainda alguém se magoa!
A
terceira disse:
— O
jogo do pau é o meu favorito. Caso contigo.
O
rei, então, disse:
— Vão
para o campo e voltem só daqui a um mês! Se então me disserem que
continuam a querer casar-se, assim farei, mas só se gostarem de
viver um com o outro.
Os
noivos assim fizeram. Durante a primeira semana, não fizeram outra
coisa senão jogar ao jogo do pau. Depois jogaram à pedrada, ao
braço-de-ferro e ao salto a pés juntos, zonzos de alegria. João
estava feliz. Finalmente encontrara alguém com os mesmos gostos. E
também gostava do seu corpo, que era musculado e rijo, à maneira do
campo. Passaram a dar muitos beijinhos e decidiram dizer ao rei que,
agora sim, estavam bem um para o outro e queriam casar. Mas, antes, a
noiva confessou:
— João,
eu, na verdade, não sou uma rapariga; sou o filho do rei. O meu pai,
avisado por um mágico, fez que eu sempre me tenha vestido de
princesa e ninguém no reino sabe que eu sou, na verdade, um
príncipe. Quando te vi, gostei do teu ar campestre, e quando soube
das tuas dificuldades com as outras raparigas, percebi que talvez
fosse eu a pessoa que te pudesse contentar. E realizar-me contigo. Eu
próprio, também me queria casar. Então, pedi ao meu pai para me
deixar vir para o campo contigo.
João,
apesar de surpreendido, aceitou e beijou apaixonadamente o amor da
sua vida. Estavam ambos felizes e isso era o que na verdade
interessava.
Quando
se completou um mês, voltaram ao palácio e contaram ao rei que
estavam decididos a casar. Houve uma grande festa e o rei, em pessoa,
casou a princesa com o João, perante todo o povo. Todos se
divertiram e um dos mais animados era o rei, que, finalmente, via o
seu filho feliz.
Joaquim
Bispo
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Por
seleção em concurso literário, este conto integra em posição de destaque —
páginas 7 a 10 — a antologia “+ Amor, Respeito, Tolerância, Humanidade” da Editora Jogo de Palavras:
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Imagem:
Almada Negreiros, Centauros
(tapeçaria),
1959.
Four
Seasons Hotel Ritz, Lisboa.
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